Inserida no período em que trabalha em Itália — para onde se muda por motivos de saúde, depois de um ano sendo pensionista do Estado na classe de Paisagem, em Paris — a obra “Napolitana” ou "O descanso do modelo” é uma das obras mais reveladoras da habilidade e da ousadia de Henrique Pousão.
Em Roma, associa-se ao Circolo Artistico Internazionale, onde, para além de conviver e trabalhar com artistas de várias nacionalidades, pôde participar em diversas sessões de modelo italiano, uma moda da Europa oitocentista onde o exotismo e a singularidade dos trajes típicos eram exaltados. Mais tarde, num relatório enviado à Academia Portuense, Pousão torna evidente o caminho original que estava a traçar, ao desejar imprimir subjectividade e emoção na sua obra, não se conformando com a mera perfeição técnica ansiada pelas academias:
“Pude allugar um atelier e por isso resolvi não ir frequentar a Academia de Bellas-Artes, já por sêr bem secundária à de Paris, mas por me parecer tambem disconveniente habituar-me completamente a não fazer que uma figura academica quero dizer a imaginação preocupada só com a parte da plástica esquecendo ou despresando a outra que é tão importante como esta.”
"(...) preocupa-se em transmitir a sensualidade da mulher através de um olhar cativante, que implica o observador, envolvendo-o na cena como cúmplice e não meramente como espectador ausente."
A par de “Cecília” ou “Esperando o Sucesso” — duas incontornáveis obras também produzidas no tão produtivo primeiro semestre de 1882, em Roma —, a tela que integra o leilão 211 da Cabral Moncada Leilões é resultado da fértil interacção das influências académicas de Paris e de Roma com as hábeis e competentes experimentações pictóricas com que o autor inovava.
A proeza de questionar e reinventar o conceito de modelo surge como atitude refractária face aos ensinos académicos. Enquanto que, neste âmbito, o modelo servia apenas de meio e instrumento para o repetitivo exercício representativo, na obra de Pousão é promovido a fim e propósito do acto de pintar. Interessa-lhe a identidade total da figura e não meramente a sua pose estática e artificial. Desta intenção, resulta a captação do próprio intervalo e descanso da pose, num momento em que o foco é mais imaterial do que material: o artista, rompendo a distância académica do pintor para com o modelo, preocupa-se em transmitir a sensualidade da mulher através de um olhar cativante, que implica o observador, envolvendo-o na cena como cúmplice e não meramente como espectador ausente.
De destacar é, também, o habilidoso tratamento dos panejamentos, eles próprios sugestivos de sensualidade ao insinuarem os contornos do corpo, através dos drapeados e das listas azuis que percorrem o torso feminino. Tal como o braço que repousa sobre a testa ou as jóias que ora envolvem ora repousam sobre o corpo, os panejamentos, ao esconderem, acabam por atrair a atenção, entrando num provocador jogo de insinuações, a que o autor não escapou, levando-nos com ele.
Texto de: Isabel Maria Mónica
Bibliografia:
- "Pousão -1859-1884" - catálogo da exposição no Paço Ducal de Vila Viçosa, na Gulbenkian e no Museu Nacional Soares dos Reis, 1984;
- ALMEIDA, Bernardo Pinto de - "Henrique Pousão". Lisboa: Assírio e Alvim, 1999;
- SILVEIRA, Carlos - "Henrique Pousão". Porto: QuidNovi, 2010.