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Especial Cidadania: Aleitamento materno ainda enfrenta muitos obstáculos

Adriana Carla Aragão e Marcela Diniz, da Rádio Senado

Em 2017, o Brasil ganhou duas novas leis que apoiam o aleitamento materno: uma delas cria o “Agosto Dourado” e a outra, trata da orientação às mães lactantes nas redes pública e privada de saúde. Na opinião da consultora do Senado, Roberta Viégas, coordenadora do Observatório da Mulher Contra a Violência, são duas conquistas importantes para consolidar a cultura da amamentação no país, que ainda enfrenta muitos obstáculos:

— Resgata a importância da amamentação em vários aspectos: no vínculo da mãe com o bebê e, principalmente, na saúde do bebê. Na saúde materna, também, mas o foco principal é a saúde do bebê.

A Lei 13.435 transforma o mês de agosto no mês do aleitamento materno, o que abre a oportunidade para ações de conscientização sobre a importância da amamentação. O projeto que deu origem à lei é da deputada Dulce Miranda (PMDB-TO). No Senado, a matéria foi relatada pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

— A designação de um mês segue o sucesso que nós temos, por exemplo, com o mês destinado ao enfrentamento ao câncer de mama — avalia a parlamentar.

Senado aprovou leis que apoiam o aleitamento materno (foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

A Lei 13.436, garante às lactantes acompanhamento e orientação sobre aleitamento nas unidades de saúde das redes pública e privada. Roberta Viégas observa que há mães que desistem de amamentar por falta de apoio do companheiro, da família ou de orientação técnica:

— Antigamente, você aprendia a amamentar vendo sua tia amamentar seu primo, sua mãe amamentar seu irmão mais novo. As mulheres, hoje, partem de um vácuo de conhecimento. Elas têm de reproduzir um comportamento do qual não têm exemplo. Então, esse apoio técnico é fundamental.

A lei que garante orientação às lactantes nos estabelecimentos de saúde nasceu de um projeto do deputado Diego Garcia (PHS-PR), relatado na Casa pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN). Ela ressalta o papel dos profissionais de saúde e das maternidades no aconselhamento das mães.

Lei garante orientação às lactantes nos estabelecimentos de saúde (foto: Santa Casa de Ponta Grossa)

Entre os projetos que podem gerar novas leis sobre aleitamento materno, está o da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que veda claramente o constrangimento a mulheres que amamentem em público:

— É um absurdo imaginar que alguém possa tentar erotizar um momento tão sublime da vida humana — revolta-se a parlamentar.

Depois de uma mãe ter sido repreendida por amamentar no Sesc Belenzinho, em São Paulo, a cidade, ganhou lei para proteger a amamentação em público. O mesmo se deu com Rio de Janeiro e Belo Horizonte e os estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso.

Projeto de lei visa coibir o constrangimento a mulheres que amamentem em público (foto: Mídia Ninja)

A amamentação é um processo natural, mas nem sempre é fácil. Muita gente foi ou teve uma “mãe de leite”.

Erica Mohn, de Brasília, amamentou seus dois filhos sem maiores problemas, mas uma amiga dela não teve a mesma sorte. Passou por parto traumático e não conseguiu dar de mamar. Pediu, então, a Erica que amamentasse o menino. Ele acabou se tornando seu afilhado.

— A minha amiga me fez esse pedido e eu tinha muito leite. Aí, eu falei: por que não, né? Portanto, eu amamentei a minha filha e o filho dela. Foi muito gostoso, aconchegante, uma experiência ótima!

De acordo com a neonatologista Noêmia Meyohas, apesar do “aleitamento cruzado”, como é chamado tecnicamente, ser comum no Brasil, a prática oferece riscos. O ideal é que a mãe com dificuldades procure um banco de leite:

— Há várias doenças que você pode transmitir pelo leite, além de medicação que a outra mãe usa. Então, dentro da maternidade, a gente não autoriza. Elas são orientadas a não fazer aleitamento cruzado.

Em entrevista à Rádio Senado, médica Noêmia Meyohas fala sobre a prática das "mães de leite"

Bancos de leite

O Brasil é referência mundial quando o assunto é a organização dos bancos de leite. São duzentas unidades e 150 postos de coleta, distribuídos em todos os Estados, além de um sistema de cooperação internacional que orienta a criação de redes em outros países. No Distrito Federal, existem atualmente 18 bancos de leite: 14 na rede pública de saúde e 4 na rede privada. Esses bancos são coordenados por Miriam Santos.

— A gente tem um universo imenso de mulheres do Distrito Federal que são solidárias, que doam leite; a participação do Corpo de Bombeiros, principal responsável pela coleta; uma central de doação; um site, além de um aplicativo da Secretaria de Saúde para a doação de leite materno — contabiliza Miriam.

Bancos de leite atendem mais de 160 mil bebês todos os anos no país

Os bancos de leite do Brasil conseguem atender, todos os anos, entre 160 e 170 mil bebês que nasceram prematuramente ou com baixo peso.

Segundo Noêmia Meyohas, esse trabalho é importante porque nem todas as mães de bebês que estão em uma UTI neonatal conseguem amamentar seus filhos. Por meio do controle de qualidade que é feito nos bancos, os bebês recebem o leite certo para a fase de desenvolvimento na qual se encontram:

— O banco de leite processa qualquer tipo de leite doado, tira aquelas bactérias, inclusive o risco de transmissão de HIV — observa.

O programa Cidadania, da TV Senado, conversou com Miriam Santos, coordenadora dos bancos de leite do Distrito Federal:

Apoio

Além de orientação técnica, as mães precisam de apoio do governo para reforçar as políticas públicas; do legislativo, para melhorar as leis trabalhistas que assegurem esse direito ou o reforcem, como é o caso da licença-maternidade; dos médicos, para a orientação das famílias; das empresas, para fazer valer e ampliar os direitos trabalhistas; e dos familiares para garantir tempo e condições às mães.

A coordenadora dos bancos de leite do Distrito Federal, Miriam Santos, diz que essa rede de apoio ajuda a mãe a não desistir de amamentar:

— A mulher precisa de apoio. Existem situações de stress que podem prejudicar a amamentação, sim.

Benefícios

Uma série de benefícios justificam todo esforço nessa direção. Pesquisa iniciada na década de 80 pelo epidemiologista brasileiro Cesar Victora mostrou a importância da amamentação nos primeiros seis meses da criança. Desde 1982, Victora vem acompanhando quatro mil pessoas nascidas em Pelotas, Rio Grande do Sul. Ele constatou que crianças amamentadas por um ano ou mais têm hoje um QI quatro pontos mais alto do que as crianças amamentadas por menos de um mês.

Uma série de mitos em relação à amamentação circundam as mães de primeira viagem. Elas podem acreditar, por exemplo, que o primeiro leite (o colostro) não é suficiente para o desenvolvimento do bebê.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda: as crianças devem fazer aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses de idade e devem continuar a ser amamentadas, pelo menos, até completarem os 2 anos. Contudo, a falta de informação, aliada a crenças antigas e fantasiosas, como a do “leite fraco”, prejudicam esse processo.

— Não existe leite fraco. Mesmo no caso daquelas mulheres que têm, por exemplo, desnutrição, o corpo delas é capaz de produzir o leite adequado para a criança — adverte a coordenadora dos bancos de leite do Distrito Federal, Miriam Santos

O Coordenador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano João Aprígio Guerra, esteve no Senado para uma audiência sobre amamentação. Ele diz que o leite do final da mamada, por exemplo, previne a obesidade. Ainda segundo Guerra, o aleitamento materno pode contribuir indiretamente para a diminuição da violência porque ajuda de forma objetiva a nucleação familiar. E essa união familiar torna mais favorável o contexto no qual as pessoas vivem, levando a um grau maior de controle emocional e serenidade.

Para as mães, o aleitamento diminui os riscos de desenvolver cânceres de mama e de ovário, doenças que mais matam mulheres no Brasil. No século XX, a indústria alimentícia fez muitas mulheres acharem que o leite artificial era mais nutritivo que o leite materno, mito que veio sendo construído através da propaganda. Até leite condensado foi vendido como complemento para bebês que ainda mamavam.

Especialistas aconselham a nutrição de bebês exclusivamente com leite materno (foto: Pillar Pedreira/Agência Senado)

Sobre o uso de fórmulas nutricionais e a introdução da alimentação artificial, João Aprígio Guerra doutor em saúde da mulher e da criança, alerta: “A introdução da alimentação artificial contribui para um aumento, de 2 a 6%, na ocorrência de diabetes insulinodependente na vida adulta. O risco relativo da ocorrência de linfomas aumenta em até seis vezes quando eu introduzo um alimento artificial antes do sexto mês de vida”.

Ouça a reportagem especial, em cinco partes, da Rádio Senado "De peito aberto: mitos e realidades da amamentação":

Saiba mais:

Encontre aqui o banco de leite mais próximo

Entrevista: pediatra explica o que fazer quando não é possível amamentar

Opinião: Amamentação exclusiva, rede e solidariedade

Outras informações da Fiocruz

Outras informações da Unicef

Depoimentos

Mãe de leite

A amamentação é um processo natural, mas nem sempre é fácil. Erica Mohn, de Brasília, amamentou seus dois filhos sem maiores problemas, mas uma amiga dela não teve a mesma sorte. Passou por parto traumático e não conseguiu dar de mamar. Daí, pediu para a Erica que amamentasse o menino, que acabou se tornando seu afilhado.

— A minha amiga me fez esse pedido e eu tinha muito leite. Aí, eu falei: por que não, né? Portanto, eu amamentei a minha filha e o filho dela. Foi muito gostoso, aconchegante, uma experiência ótima!

O mito do leite fraco

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda: as crianças devem fazer aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses de idade e devem continuar a ser amamentadas, pelo menos, até completarem os 2 anos. Contudo, a falta de informação, aliada a crenças antigas e fantasiosas, como a do “leite fraco”, prejudicam esse processo.

Essa pressão é comum na sociedade brasileira, afirma Jéssica Madeira, mãe de um bebê de um ano e quatro meses. Foram diversas situações nas quais ela sofreu questionamentos relacionadas a isso.

— Quando ele era pequenininho, me perguntavam: ‘será que ele não dorme de noite porque seu leite não sustenta? ’”, lembra.

Apesar dos questionamentos dos desinformados, Jéssica Macedo continuou o aleitamento e optou pela amamentação em “livre demanda”, ou seja, dar de mamar sempre que o bebê desejar:

— O vínculo que você constrói com a amamentação é muito forte, é muito fofo. Eu adoro amamentar e quero seguir amamentando até quando ele quiser”, promete.

Apoio

Apesar de todo o conhecimento teórico sobre a maternidade, a doula e educadora perinatal Jéssica Ximenes garante que, na prática, a situação é diferente porque envolve sentimentos como o cansaço, stress, sono, solidão, medo, tristeza. Mãe de primeira viagem, ela reconhece que enfrenta os mesmos percalços, vistos pelos ginecologistas como comuns a todas as mães. Mas Jéssica, diferentemente de muitas nutrizes tem superado essas barreiras ao falar sobre seus dramas e fragilidades.

— A amamentação é uma coisa ambígua para mim. É difícil. Eu não gosto tanto de como eu acho que deveria. Eu parei a minha vida, e, às vezes, me pego querendo fazer outras coisas, querendo dar um tempo para mim e não posso — lamenta.

Manuela Rampazzo, de Brasília, ofereceu leite artificial para sua segunda filha, depois de muito choro e tentativas de amamentá-la. A nutriz chegou a ligar para o pediatra que, percebendo o esgotamento emocional causado pela situação, aconselhou que era a melhor opção para a mãe e o bebê. Após esse episódio específico, Manuela voltou o aleitamento e chegou a doar leite para o banco de leite.

— A coisa do peito é muito maluca, o peito é um órgão muito doido. Relaxando, um pouco, de repente, começou a fluir e eu nunca mais dei o complemento — conta.

O apoio médico também foi imprescindível para que Mayanna Estevanim, de São Paulo, conseguisse amamentar a segunda filha exclusivamente até os seis meses, como recomenda a Organização Mundial de Saúde. Mãe de Gael e Maitê, ela conta que na primeira gestação sofreu com a falta de auxílio dos profissionais da saúde.

— Quando o Gael nasceu, ele não conseguia mamar. Só consegui amamentá-lo até quatro meses, mas nunca foi exclusivo. Com a Maitê, já foi diferente. A gente resolveu a mudar de obstetra e eu já comecei a ser preparada para a amamentação. Consegui amamentá-la exclusivamente até os seis meses — recorda.

Carina Alencar buscou esse subsidio e até mesmo um serviço telefônico do tipo “linha-direta”:

— O meu pediatra não me dava apoio com a amamentação. A informação que ele tinha era bem atrasada. Tivemos até uns embates, mas graças a Deus, com acesso a essas enfermeiras especializadas, consultoras de amamentação, pude ligar para fazer perguntas, tirar dúvidas — relata.

Benefícios

Simone Nobre, moradora em Natal (RN), teve uma gravidez de alto risco e amamentou a filha caçula que nasceu de 36 semanas enquanto estava na UTI. Também doou leite materno para três trigêmeos que necessitavam ganhar peso. Por isso, sabe da importância que a amamentação tem para os bebês prematuros:

— Eu incentivo que todas as mães possam dar de mamar; os filhos ficam mais saudáveis. Fiquei sabendo que menino que mama muito é mais inteligente!

Financiamento a países pobres é estratégia da Unicef

Para demonstrar as atuais condições do aleitamento materno, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alertam para os resultados do Cartão de Pontuação Global sobre Amamentação (Global Breastfeeding Scorecard), uma avaliação das práticas de amamentação realizada em 194 nações. Somente 23 países têm taxas de amamentação acima dos 60% e, de todos, nenhum país atende plenamente os padrões recomendados para o leite materno.

Apesar das orientações da OMS sobre os benefícios cognitivos e para a saúde da amamentação exclusivamente pelo leite materno até os seis meses de vida da criança, o relatório mostra que apenas 40% dos bebês são alimentados dessa forma. Nos primeiros meses de vida essa prática tem uma importância crítica e ajuda a prevenir a diarreia e a pneumonia, principais causas de morte em bebês até um ano de idade. Os riscos das duas maiores causas de morte entre as mulheres também são reduzidas, as mães que amamentam previnem o câncer de ovário e de mama.

A falta de investimentos na amamentação também causam danos para mães e bebes em todo o mundo. Um investimento de US$ 4,70 por recém-nascido poderia gerar US$ 300 bilhões em ganhos econômicos até 2025. Segundo a OMS, a vida de 520 mil crianças menores de cinco anos poderia ser salva em dez anos com o cumprimento dessa meta. Na China, Índia, Indonésia, México e Nigéria — cinco das economias mais emergentes do mundo — aproximadamente 236 mil mortes de crianças e US$ 119 bilhões resultam da falta desses investimentos.

Segundo a OMS, o investimento na amamentação poderia evitar a morte de 520 mil crianças em dez anos (foto: UNICEF Etiópia)

Anualmente, países de baixa-renda gastam US$ 250 milhões em programas de amamentação e US$ 85 milhões adicionais são fornecidos por doadores. Globalmente, o investimento na amamentação é muito baixo e, por isto, o Coletivo Global para a Amamentação (Global Breastfeeding Collective) incentiva ações para auxiliar a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre elas, a promoção da licença-maternidade e licença-paternidade pagas; políticas de amamentação no local de trabalho; fornecimento de leite materno para recém-nascidos doentes ou em situação de vulnerabilidade, além de fortalecimento entre unidades de saúde e comunidade contribuem para o fim da pobreza, o crescimento econômico e a redução da desigualdade.

As organizações internacionais que cuidam dos direitos de mulheres e crianças têm insistido também na conveniência de mecanismos legais que assegurem às mães a possibilidade de amamentarem seus filhos na plenitude. Além da permissão para amamentação no local de trabalho ou para o deslocamento até a residência com o mesmo fim, a licença maternidade é ingrediente fundamental de uma política pública destinada a assegurar e ampliar o aleitamento. Quanto mais tempo a mulher tiver para dar o peito à criança, mais garantia haverá para o aleitamento até os dois anos e para a exclusividade do leite materno como fonte de nutrição dos bebês.

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