O QUE É
“Iluminando as Capturas Ocultas – ICO/A Pesca Artesanal Costeira no Brasil” (Illuminating Hidden Harvest – IHH, em inglês) é um estudo conduzido no Brasil dentro da iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) com o objetivo de levantar dados não computados sobre a produção global de pescado da pesca artesanal, bem como trazer à luz aspectos sociais, econômicos e ambientais relacionados ao extrativismo pesqueiro.
Além da FAO/ONU, a entidade não-governamental WorldFish e a Universidade de Duke estão na coordenação global do projeto. No Brasil, a coordenação dos trabalhos em territórios marinhos costeiros foi do Instituto Maramar, com a parceria da Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas e dos Povos Extrativistas Marinhos - Confrem, além de outras organizações e associações locais.
Destaca-se também a parceria com o Centro de Informação e Assessoria sobre a Comercialização de Produtos Pesqueiros na América Latina e no Caribe - INFOPESCA, organização intergovernamental independente sem fins lucrativos, através de repasses financeiros da FAO/ONU indispensáveis à execução do projeto.
HISTÓRICO
Em 2012, o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO e o WorldFish completaram um estudo intitulado “CAPTURAS OCULTAS: A Contribuição Global da Captura da Pesca (HH1)”. Este estudo forneceu informações e estimativas iniciais essenciais sobre o grande papel da pesca de pequena escala no mundo, posteriormente reconhecido nas Diretrizes Voluntárias para Garantir a Sustentabilidade da Pesca em Pequena Escala no Contexto da Segurança Alimentar e Erradicação da Pobreza (a partir daqui 'Diretrizes da Pesca Artesanal'), adotada pelo Comitê de Pesca da FAO (COFI) em 2014 como um instrumento de política internacional.
Tal estudo mostrou que, à época, 90% dos cerca de 120 milhões de trabalhadores do setor pesqueiro no mundo estavam envolvidos com a pesca de pequena escala, sendo 97% deles residentes de países em desenvolvimento. Além disso, o trabalho mostrou que a taxa de subnotificação das pescarias de pequena escala chagava a 70%.
Desde o estudo HH1, a atenção internacional para o papel que a pesca artesanal desempenha no desenvolvimento sustentável continuou a se expandir. No entanto, muitas das contribuições sociais, econômicas e ambientais dessas pescarias continuam a ser subestimadas, levando a uma atenção insuficiente e ao consequente descaso dos tomadores de decisões políticas para a implementação das Diretrizes da Pesca Artesanal.
Por esta razão, a FAO, a WorldFish e a Universidade de Duke colaboram em um novo estudo global que visa preencher esta lacuna e destacar o papel que a pesca artesanal desempenha na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular os ODS 1 - Erradicação da Pobreza e ODS 2 - Fome Zero e Agricultura Sustentável , além do ODS 14 - Vida na Água , no entendimento dos autores do estudo brasileiro.
Em 2018, a FAO deu início a um novo projeto de levantamento global – do qual a iniciativa brasileira faz parte - denominado “Iluminando as Capturas Ocultas – ICO”, por entender que existiam produções originárias do extrativismo pesqueiro artesanal em todo mundo que ainda não são computadas, e que alimentam uma parcela considerável da população mundial, bem como a necessidade de reconhecer números sobre volume e valor das capturas, além dos aspectos sociais, econômicos, políticos e ambientais relacionados a ela, de forma que programas e políticas voltadas ao setor sejam compatíveis com essas realidades, ainda escondidas e desconhecidas. A nova abordagem questiona: Quais são as contribuições sociais, ambientais, econômicas e de governança da pesca de pequena escala em escala global e local?
A parceria entre a FAO e as organizações e pesquisadores brasileiros foi estabelecida durante o 3º Congresso Mundial da Pesca em Pequena Escala (#WSFC), realizado em Chiang Mai – Tailândia, em outubro de 2018.
METODOLOGIA
Para a realização do estudo no Brasil, uma ação em rede foi idealizada com universidades, associações e entidades não-governamentais, no intuito de fazer uma força-tarefa para a sistematização de dados existentes (por meio de revisões bibliográficas e levantamento em plataformas de dados) e levantamento de informações ainda desconhecidas.
No total, foram contatados 45 Centros de Pesquisa e Universidades, 63 Instituições Governamentais e 56 Organizações da Sociedade Civil (Colônias de Pescadores e Organizações Não-Governamentais), somando 164 instituições (284 pessoas). Dezenove colaboradores participaram ativamente do preenchimento das Planilhas de Protocolo propostas pela metodologia da FAO, seguida e aplicada no estudo brasileiro.
O esforço de coleta de dados abrangeu todo o território nacional, incluindo oito reservas extrativistas, oito ecossistemas estuarinos e seis complexos lagunares e baías, totalizando 22 territórios, situados em doze dos dezessete estados costeiros do Brasil.
Fatores de pressão na atividade de pesca
1 – Perda e Degradação de Habitat - A perda e degradação de habitats é o principal fator que afeta a pesca artesanal costeira. As pressões dos amplos centros urbanos, a falta de infraestrutura de esgoto, a não aplicação dos direitos territoriais e das leis ambientais, bem como os interesses concorrentes do setor de turismo, petróleo e gás, além dos setores de criação de camarões, reduziram severamente e/ou impactaram a extensão dos vários sistemas de manguezais.
2 – Pesca ilegal - A falta de regras territoriais e comunitárias e de práticas de cogestão e, ainda, falta de fiscalização dessas regras geraram, ao longo do tempo, um dos principais fatores que afetam a pesca artesanal no Brasil. Para complicar ainda mais este cenário, estão os conflitos criados pela imposição de cima para baixo das regras de pesca e acesso pelos governos federal e estaduais sem o envolvimento da comunidade, o que contribui para o descumprimento das medidas de gestão e para ampliar a ocorrência de pesca ilegal e não declarada, gerando um sentimento geral de desconfiança.
3 - Pressão Pesqueira - O conflito com a pesca industrial é um fator importante em territórios dos quais a pesca artesanal depende, em virtude da interação entre esses ecossistemas costeiros (manguezais e estuarinos) e os ecossistemas marinhos oceânicos. Nestes casos, o esforço intensivo das frotas industriais está comprometendo a taxa de reprodução de várias pescarias.
CONCLUSÕES
- A pesca artesanal é atividade presente e certamente futura em curto, médio e longo prazos, relegando para o setor industrial a explotação de recursos mais distantes da costa com maior custo operacional e necessidade de estocagem.
- No contexto do setor pesqueiro, a pesca artesanal contribui com a maior parte da produção para consumo direto da população local, visto que o segmento industrial está dedicado, em sua maior parte, a satisfazer o mercado exportador ou redes de atacado e varejo.
- Ao contrário do que acontece em qualquer atividade industrial, que visa predominantemente o lucro, a atividade artesanal é caracterizada pela manutenção de tradições e do equilíbrio social, econômico e ambiental.
- Em termos de valor nutricional, frescor e palato, o produto artesanal é aquele mais próximo espacialmente da origem da captura e igualmente menor tempo entre captura e oferta, o que é inquestionável do ponto de vista da qualidade, além de já possuir valor agregado cultural por conta de práticas de captura e saber local.
- Apesar da dimensão na qual a pesca artesanal se espraia, as realidades vividas pelas comunidades são diversas e heterogêneas. Têm como denominador comum, possivelmente, a precariedade da infraestrutura e necessidade de valorização de tradições e saberes, que torna desafiadora a implementação de políticas públicas como mecanismos de alavancagem do desenvolvimento local. Observam-se ainda desequilíbrios entre o social, o econômico e o ambiental, imprescindíveis à gestão de atividades que exploram recursos naturais renováveis, principalmente pela ausência de políticas de segurança alimentar e nutricional e erradicação da pobreza.
- É imperativa a necessidade de empoderar os/as pescadores/as, permitindo ratificações e implementações de suas regras de pesca comunal, em um país de proporções continentais, diversidade de ecossistemas e participações desiguais nos domínios sociais e políticos de tomadas de decisão.
- Recomenda-se o aprimoramento, fortalecimento e ampliação dos processos de co-gestão pesqueira, com representantes das comunidades pesqueiras locais, de forma a “iluminar” o conhecimento tradicional desejável que sustentaria um sistema de dados e informações locais para tomadas de decisão em governança pesqueira.
Credits:
Fotos: Fabrício Gandini