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Gotas com sabores do Brasil Reportagem de capa da edição 25 de Comida com História

O olhar curioso de um adolescente acompanhava continuamente o manuseio de flores e plantas pela avó.

Com elas, Tita supria a falta de médico em uma pequena cidade do interior argentino fazendo chás e remédios caseiros.

Um convívio de anos que marcou o neto Matias Cuneo.

Anos depois, esse interesse o levou a fazer curso de coquetelaria, mas o uso da botânica não saía de sua cabeça. Chegou a montar um alambique em casa e fazer gin para os amigos, mas gostava mesmo da ideia de experimentar novas combinações.

Ao vir morar no Brasil por causa de trabalho, cursou Engenharia Mecânica em São Paulo, e foi se adaptando a seu novo país. E isso incluía explorar a diversidade botânica brasileira.

Entusiasta da coquetelaria, o engenheiro inovou, e há um ano criou com o sócio brasileiro Gabriel Almeida a empresa Enraízes, que produz bitters aromáticos utilizando insumos dos biomas brasileiros. Uma ideia que teve como sementinha a inspiração da avó Tita.

Bitter é uma bebida à base de destilado alcoólico infusionado com botânicos. Seu uso foi evoluindo com o tempo, e atualmente é item praticamente indispensável na coquetelaria, pois ajuda a balancear os sabores dos drinques, trazendo um pouco de amargor e doçura.

O primeiro registro de um bitter que se tem notícia foi em Londres em 1690 para uso medicinal, mas a história do líquido é bem mais antiga do que isso.

No Egito Antigo, infusões de ervas medicinais eram feitas em jarras de vinhos. O uso na Idade Média era aliado à farmacologia, quando as pessoas adicionavam bitters de ervas em bebidas como medicina preventiva.

Já naquela época, a medida do bitter eram gotas ou “dashes” (lances), exatamente por ser um concentrado de plantas. Por isso que as embalagens dos bitters da Enraízes têm uma tampa que dá a medida certa de um “dash”.

Uma criação de Matias, que não deixa seus conhecimentos de engenheiro mecânico de lado.

A Enraízes utiliza cascas, frutas secas, folhas, caules e raízes para criar os quatro bitters clássicos que existem.

Entre os ingredientes, o Aromático leva especiarias como cumaru e guaco, o Laranja contém cachaça e casca de amburana, o Cacau tem cacau do Pará e café do Cerrado, e o recém-lançado Spiced Cherry possui baunilha do Cerrado, cachaça envelhecida e urucum.

Essa valorização da biodiversidade brasileira tem agradado as pessoas.

“Felizmente tivemos uma aceitação muito boa entre os profissionais da coquetelaria”, relata Matias.

Mas a ideia dos sócios vai além. “Queremos democratizar o bitter para que todo mundo possa usar”, diz. Para isso, mesmo vendendo em lojas especializadas e empórios, é possível comprar os produtos da Enraízes direto do produtor pelo site da empresa.

Matias explica que a utilização dos bitters pode ser feita também em bebidas não alcoólicas, como soda, por exemplo. Ele mesmo coloca algumas gotas no café. “Fica sensacional!”.

Uma forma de quebrar o paradoxo de uso que vem sendo difundido há anos.

Nada fora do comum para quem vem desde a adolescência experimentando o uso das plantas.Uma curiosidade nata que Matias herdou de sua avó.

“Junta tradição com orgulho. Muitas coisas tiveram que acontecer para dar certo”, diz Matias.

O próprio nome Enraízes é uma homenagem à família: é a junção do espanhol com o português para celebrar as raízes utilizadas no preparo dos bitters.

Sugestão de consumo: perfect manhattan
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Dá play nesse vídeo para conhecer quem faz essa revista:

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muito obrigado!

e tem mais histórias nesta edição:

  • A fruta da Mata Atlântica: conheça o cambuci e os produtos desenvolvidos por uma família dinamarquesa.
  • Receita afetiva: casal resgata receita de família para criar coalhada artesanal direto da fazenda.
  • O chá sombreado: em Sete Barras, uma família de imigrantes japoneses produz chá em meio à floresta.
  • Culinária plural: saiba as principais origens da cultura alimentar do estado de São Paulo.

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Da Mata Atlântica para a mesa

Fotos: Agência Faro e Bruno Boni

A selva de pedra que é a cidade de São Paulo esconde um passado verde.

Um de seus bairros mais antigos, o Cambuci, era repleto de uma árvore cujo fruto acabou dando origem a seu nome.

O cambucizeiro, nativo da Mata Atlântica, dá uma frutinha verde arredondada com sabor ácido adocicado.

E que apesar de ter conquistado indígenas e tropeiros, praticamente sumiu do bairro paulistano.

Não muito longe da capital, em Natividade da Serra, o cambuci também ganhou o coração de uma pessoa.

Dessa vez foi da dinamarquesa Camilla Asmussen, que nunca tinha ouvido falar no cambuci até o dia em que um casal da cidade deu um tipo de iogurte para ela experimentar.

“Era maravilhoso! Eu perguntei o que era e me disseram que era leite com cambuci”, relata.

Camilla chegou à Natividade já casada com Michael, também da Dinamarca. Os dois se conheceram em São Paulo. Foi o pai do marido que descobriu a pequena cidade do Vale do Paraíba Paulista.

Se apaixonou pela paisagem da represa cercada por montanhas, que o fazia lembrar da terra natal.

Comprou um sítio para passar os finais de semana, mas acabou indo de muda com toda a família.

Foi lá, na capital estadual do cambuci, que nasceu a Asmussen, agroindústria familiar que envolve Camilla e Michael, e as filhas Caroline e Sophie, nascidas no Brasil.

Família Asmussen: Michael, as filhas Caroline e Sophie, e Camilla

A empresa desenvolve produtos com o cambuci colhido por 40 famílias da região, e armazena a fruta não usada congelada para que a safra não se perca.

“A Asmussen é um local pra escoar a produção do produtor”, explica Sophie.

Entre os produtos desenvolvidos estão xarope de cambuci, caramelo, chutney e geleia de cambuci com banana. Tudo com certificação orgânica, o que garante a não utilização de insumos e aditivos químicos.

A preocupação com sustentabilidade é uma das principais bandeiras da empresa.

A família tem como propósito preservar e regenerar a Mata Atlântica. Por isso suas embalagens para a indústria são retornáveis, e as dos picolés são biodegradáveis e compostáveis. Uma maneira de completar o ciclo de respeito ao meio ambiente, produtor e consumidor.

A trajetória do cambuci em Natividade da Serra está ligada à construção da Barragem de Paraibuna.

Uma inundação acabou com a cidade antiga, e em 1973 uma nova surgiu nas terras mais altas.

Como grande parte da área foi invadida pela água, afetando a mata nativa e as áreas férteis, muitos agricultores tiveram que migrar para outras cidades.

Anos depois, por volta dos anos 2000, um programa de reflorestamento trouxe mudas de árvores frutíferas para o local.

Entre elas estavam cambucizeiros, que hoje chegam a dar 100 toneladas de fruta ao ano.

Para ajudar na venda de tanto cambuci, a Asmussen iniciou sua linha de produção pela fruta. Mas, atualmente, faz também picolés com outros três sabores locais: jabuticaba, uvaia e juçara.

“O nosso propósito ia além do cambuci, era a Mata Atlântica”, fala Sophie.

Segundo ela, existem mais de 300 frutas desconhecidas neste bioma que podem ser exploradas por sua exuberância e unicidade.

A vontade da família é tornar as frutas da Mata Atlântica acessíveis para todos. Por isso criam produtos e parcerias que dão visibilidade para elas.

O mais recente é a Cerveja Orgânica de cambuci da Cervejaria Colorado, a primeira orgânica certificada da Ambev.

“Não queremos que nossos produtos sejam somente para uso gourmet”, explica Sophie.

E completa: “O cambuci pode vir a ser a nova banana!”

Sugestão de consumo: Crumble de cambuci
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Do Líbano para o Brasil

Nada se compara ao sabor de uma receita de família.

Ainda mais quando vem acompanhado de história, saúde e muito capricho.

É exatamente assim a receita das coalhadas da Borá.

A marca Borá nasceu com a pretensão de levar para as pessoas um produto artesanal saudável que carrega o gostinho da família paterna de Flávia Athié Teruel, que veio do Líbano para recomeçar a vida em São Paulo.

A produtora Flávia Athié Teruel

Flávia cresceu vendo o pai, a avó e a tia avó comerem coalhada com tudo! No café da manhã, almoço ou jantar, lá estava a coalhada acompanhando desde frutas até as delícias árabes feitas em casa.

Flávia no dia de seu casamento com o pai e a avó

Mas foi o marido Paulo que enxergou esse rito familiar como uma oportunidade de negócio.

Ao ver a longevidade da avó e da tia avó, que ultrapassavam os 90 anos, ele se convenceu que o segredo da saúde delas estava no que comiam: a coalhada!

E então grudou na tia avó de Flávia e aprendeu sua receita centenária.

Atualmente Paulo é o responsável por produzir os produtos da Borá, que começou vendendo coalhadas secas e frescas de porta em porta em Piraju, onde fica a Fazenda Borá, e na cidade vizinha de Avaré, ambas no interior de São Paulo.

Hoje, a empresa expandiu a linha de produtos, e trabalha também com chancliche, um queijo típico libanês, doce de leite gelado, manteiga, creme de nata e creme de leite fresco.

Todos eles são feitos com leite da Fazenda Borá, com a garantia de sanidade atestada pelo SISP (Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal) e, claro, por Paulo e Flávia, veterinário e agrônoma, respectivamente.

Foi a profissão deles que os uniu há mais de 20 anos.

Flávia havia retornado de um mestrado nos Estados Unidos na área de gado de leite e montado uma empresa de assessoria e planejamento em Avaré.

Foi quando um de seus parceiros apresentou o primo Paulo, recém-chegado da Austrália, e com a mesma vontade de trabalhar com assistência às fazendas da região.

O destino estava traçado.

Ao começar a produzir pequenas quantidades de coalhada para testar o mercado, viram potencial.

“Eu disse: ou fazemos direito ou não fazemos”, conta Flávia. Então fizeram as contas e decidiram fechar a empresa de assessoria e focar somente na produção da coalhada.

O negócio ganhou o nome da fazenda, que tinha sido escolhido pelo pai de Flávia quando comprou o local há mais de 70 anos. Borá é uma espécie de abelha sem ferrão comum na localidade.

O amor de Flávia pela Fazenda Borá começou desde criança.

O pai era médico na cidade de São Paulo, e as férias da família eram sempre na fazenda. O local foi continuamente usado de forma produtiva, com criação de gado de leite, galinhas, plantio de café, entre outros produtos agrícolas.

Com o falecimento da esposa quando a filha tinha 22 anos, perdeu o gosto pela fazenda e quis vender tudo. Flávia tinha acabado de se formar em Agronomia, e pediu ao pai que não vendesse pois ia morar lá.

Ficou por cinco anos até ir estudar nos Estados Unidos.

Anos depois, com a chegada de Paulo, reformaram uma das casas da colônia da fazenda e a transformaram em uma pequena fábrica que se enquadrava dentro da lei de produtos artesanais.

Ali foi dado início à Produtos Borá, que existe há 21 anos e atende mais de 20 cidades paulistas. Uma empresa que conseguiu aliar o aumento do volume de produção com o modo de fazer artesanal de sua receita original.

O sucesso da Borá vem principalmente do amor e dedicação de Flávia e Paulo ao que fazem.

“Pra mim é um orgulho fazer uma coisa que é da cultura dos antepassados, faz bem para a saúde e ainda nos possibilita continuar fazendo o que a gente gosta”, diz Flávia.

Por mais que tenham espaço para crescer, o objetivo deles é ser feliz curtindo a natureza e a tranquilidade da fazenda…

…levando adiante um produto que carrega a marca da família.

sugestão de consumo: Coalhada fresca com pepino
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O chá nascido nas sombras

O som dos passarinhos e a paisagem grandiosa das palmeiras já seriam suficientes para fazer do sítio Yamamaru um pequeno paraíso.

Mas as árvores de palmeira Juçara também guardam um segredo. Estão ali para proteger o verdadeiro tesouro local: o chá.

É sob a sombra da Mata Atlântica que brotos e folhas da espécie Camellia sinenses nascem e crescem até serem colhidas por integrantes da família Yamamaru.

Uma história que vem sendo escrita há mais de 70 anos, quando a família japonesa saiu de uma ilha de Tóquio rumo ao Brasil em busca de terra para plantar.

Família Yamamaru

Eles eram Yataro e Kikuo Yamamaru com o filho Mitsutoshi e a nora Fusako Yamamaru. O casal mais jovem trazia pelas mãos filhos pequenos, pouquíssima bagagem e muitos sonhos.

Depois da viagem de 60 dias a bordo de um navio, encontraram refúgio na propriedade localizada onde hoje é a fronteira entre as cidades de Registro e Sete Barras, São Paulo.

Nenhum deles jamais tinha trabalhado com chás, mas decidiram apostar. Sem apoio e sem um mercado preparado para consumir o produto, a plantação foi abandonada e a família precisou buscar outras atividades.

Mas o tão amado Sítio Yamamaru ainda tinha muita história pela frente.

Décadas depois, em 2008, quando o jovem Mitsutoshi já era um senhor saudoso da antiga plantação de chá abandonada, uma das filhas, Aurora, abraçou a missão: limpar e reativar o Sítio Yamamaru, cuja plantação de chás se transformou em árvores altíssimas.

Mitsuoshi faleceu pouco tempo depois e não pôde ver o trabalho concluído: a mata cheinha de árvores de chá. Mas Miriam, uma das filhas que hoje administram o cultivo, tem certeza de que o pai partiu feliz. Sua história estava sendo resgatada.

Hoje, Miriam e o irmão mais velho Kazutoshi cuidam da plantação que dá origem aos chás verde e preto. Quando é tempo de colheita, em setembro, os dois têm ajuda de familiares e amigos, um verdadeiro mutirão de cuidado com a terra.

Os irmãos Kazutoshi e Miriam Yamamaru Oka

Como o sítio é aberto a turistas, até as visitas entram na onda e ajudam na atividade. Uma chance de conhecer a produção de chá na floresta.

“Tem gente que vem só para apreciar a natureza, mas a maioria dos turistas vem ver o modo como a gente trabalha, plantando na sombra com sustentabilidade. Isso impacta bastante.”

O cultivo segue o Sistema Agroflorestal (SAF), ou seja, tudo é plantado em harmonia com as árvores da floresta.

O chá necessita da sombra para desenvolver a qualidade ideal, como alta concentração de L-teanina, que ajuda na redução de estresse. É componente imprescindível do matcha, bebida típica japonesa.

Como parte da Rota do Chá, roteiro turístico da região, os Yamamaru recebem os visitantes com uma degustação das delícias produzidas pela família. E chá é só uma delas!

Eles também oferecem produtos como geleias, broto de bambu, hibisco, tempurá e moti, bolinho típico à base de arroz.

Agora estão começando a processar a polpa de Juçara, a palmeira que sombreia a plantação de chá no sítio e possui altas propriedades nutricionais.

“Ela é difícil de ser extraída, a gente faz mutirão pra colocar no congelador no mesmo dia. É boa para a pele”, diz Miriam.

Maru, amiga de Miriam e agente cultural impulsionadora do turismo na região, diz que o Sítio Yamamaru tem servido de bússola para outras propriedades locais.

“O turismo Sítio Yamamaru está puxando outros turismos. A interação entre as propriedades, vender o produto um do outro, propagar o produto um do outro, vai criando uma rede onde todos ganham”, afirma Maru.

Miriam e o irmão Kazutoshi ficam felizes por levar a história em frente e ainda ajudar a valorizar toda a comunidade.

Pra eles, o trabalho na plantação sombreada é um momento de prazer e afeto. Além do alívio proporcionado pela sombra das palmeiras durante a colheita, a atividade também celebra a cultura familiar criada em torno do chá.

“Chá verde é meu favorito. Minha mãe fazia muito chá verde ou preto pra oferecer ao altar todos os dias. Uma forma de gratidão aos antepassados e aos deuses.”

“Ela acordava e já esquentava água pra fazer um bule grande. O resto a gente consumia durante o dia, no verão geladinho, no inverno quente", lembra Miriam com carinho.

sugestão de consumo: chá com moti

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Culinária plural

Imagine uma mesa lotada de gente diferente.

Cada pessoa chega trazendo seu prato favorito, um preparo afetivo, alguma receita familiar. Compartilha-se fatias, colheradas, temperos, saberes

Até que, de tanta troca, a mesa acaba se tornando um pouco de todos.

Quando falamos em cultura alimentar é também sobre troca que estamos conversando.

É sobre uma grande mesa de vivências em que pessoas de diferentes lugares se encontram e absorvem costumes umas das outras. Juntos, os retalhos constroem uma nova identidade.

Mas, claro, é preciso que haja espaço para todos nessa mesa.

Em São Paulo, esse espaço-casa para tantos chegados de outros cantos, a contagem de referências é infinita.

Como é possível desenhar a cultura alimentar de um lugar tão diverso? Imigrantes italianos, japoneses, brasileiros de outras regiões, povos originários: nem todos tiveram lugar preservado na cultura culinária.

A historiadora Adriana Salay pesquisa alimentação e traça a origem que jamais pode ser esquecida:

“Muitas etnias que viviam aqui, principalmente Guarani, tinham o protagonismo de milho, feijão, abóbora e proteínas de animais da floresta.

“Com a invasão, os portugueses entraram nesse sistema culinário, precisavam disso pra sobreviver no território. Mas depois começou a imposição cultural da culinária europeia", completa Adriana

Perdeu-se grande parte dos hábitos alimentares originários, como a iguaria içá, um preparo indígena à base de formiga frita.

No final do século 19, com a proximidade da abolição da escravatura, uma terrível política eugenista foi imposta no Brasil.

Enquanto muitas etnias eram proibidas de ingressar nas comunidades brasileiras, houve grande estímulo à imigração de pessoas vindas da Europa com o intuito de "embranquecer a população".

Colônias italianas se instalaram em São Paulo trazendo muita farinha de trigo na bagagem. Com o tempo, a culinária italiana passou a se misturar com a própria culinária local.

Mas também houve a resistência cultural das pessoas escravizadas.

Buscando comprar a liberdade, muitos dos chamados escravos de ganho iam a bairros centrais de São Paulo vender comida preparada na cozinha da casa grande.

Além do lucro pago ao senhor, uma parte ficava com a própria pessoa escravizada que guardava para sua alforria. O bairro Liberdade se chama assim porque recebia muitos desses ambulantes.

No século 20, as ideias eugenistas finalmente caíram por terra e o Brasil abriu as portas para imigrantes orientais - até então proibidos.

Um número enorme de japoneses chegou em busca de melhores condições e terras férteis. Sem ingredientes básicos de sua culinária, aprenderam a improvisar - ou abrasileirar:

"Não tinha soja, tofu, missô, nada disso, então eles faziam um fermentado de feijão. Tiveram que se apropriar dos elementos daqui e reinventar."

Hoje São Paulo possui a maior população japonesa do mundo fora do Japão e isso impacta até hoje nossa cultura alimentar.

Além do fluxo de ingredientes japoneses ser grande, eles influenciaram alguns dos nossos hábitos, como o consumo de folhas cruas.

Para Adriana Salay, o resgate dessas tantas origens é importante para compreender de onde viemos, mas é preciso ir além.

Celebrar a comida indígena e a comida africana, por exemplo, é sim fundamental, mas existe uma necessidade mais profunda do que apenas consumir sua culinária: há outras bóias a serem jogadas para que essas culturas sobrevivam no oceano da identidade brasileira.

É urgente resgatar culturas historicamente massacradas.

“Existe uma disputa por espaço, as culturas vão se entrelaçando e não são iguais em suas forças. Não adianta só valorizar uma cultura se esses povos são tão oprimidos em tantas outras esferas da vida, do território.”

"A manutenção da cultura tem que vir junto com a manutenção do direito de existência." - Adriana Salay.

Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:

Histórias da imigração

É inegável que São Paulo não seria São Paulo sem as levas de imigrantes que chegaram à cidade. Muitos deles iniciaram as atividades de comércio de grãos e cereais na famosa Zona Cerealista da capital paulista. Algumas dessas histórias foram resgatas no livro 'Armazém do Brasil: memórias do comércio da zona cerealista’, que teve o apoio do Museu da Pessoa e do SESC/SP. Compartilhamos o trabalho aqui com você.

Curso

Alô, alô, Rio de Janeiro! Tem curso gratuito de gastronomia sendo oferecido na cidade. Por dois meses a partir do dia 21 de setembro, oficinas sobre culinária étnica africana vão rolar na Vila Musical - Casarão Floresta, no Cosme Velho. Faça já a sua inscrição.

Cozinha sem sobras

Tá mais do que na hora de todo mundo aprender a cozinhar sem desperdício, não é verdade? Então anota aí na agenda e faça a sua inscrição gratuita para o 'I Seminário Nacional Cozinha Sem Sobras: Aproveitar Sem Desperdiçar'. O evento acontece no dia 29 de setembro no Teatro Sesc Newton Rossi, em Brasília.

arte e memória

O Museu da Imigração de São Paulo está com uma super atividade disponível até o dia 25 de setembro para quem quiser entender um pouco mais sobre o tema ‘Migrar: experiências, memórias e identidades’. Às 10h de sábado e às 11 de domingo acontecem visitas mediadas pela exposição de longa duração do museu. Adultos, jovens e crianças a partir de 12 anos são bem-vindos. Vagas limitadas por ordem de chegada.

Ouvir e comer

Pra fechar, que tal músicas que abrem o apetite? A playlist do Spotify ‘Músicas que falam de comida e dão fome’ incluem grandes artistas como Chico Buarque, Tim Maia, Novos Baianos. Bora colocar ritmo nessa cozinha!

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