Aqui elas até ganharam um apelido carinhoso: “sementes da paixão”.
Uma invenção de seu Dodô, produtor já falecido que deixou um legado ambiental para os jovens da comunidade.
Mateus Manassés, de 24 anos, hoje lembra de Dodô ao lançar a primeira farinha de milho crioulo da Paraíba! Ele é vice-presidente da cooperativa CoopBorborema, do Polo da Borborema.
“É a realização de um sonho. Antes de eu nascer esses agricultores já preservavam o que de fato é nosso, o meio ambiente.”
Fotos: Acervo AS-PTA
Sem transgênico nem agrotóxico, as crioulas são sementes limpas que combinam direitinho com o bioma e nunca deixam o agricultor na mão.
Tem como não amar?
O problema é que é fácil de contaminar.
Ainda mais o milho, tão vulnerável que pode se contaminar até através do vento. Na década passada, o avanço descontrolado dos transgênicos fez com que quase todo produtor local perdesse sua produção.
Uma tragédia financeira e ambiental, impulsionada por interesse de grandes corporações e políticas públicas de distribuição de sementes transgênicas.
Ali começou um trabalho formiguinha de grupos como a ONG AS-PTA Agricultura familiar e Agroecológica.
O objetivo: incentivar a luta pela soberania alimentar.
A ideia era gerar autossuficiência entre as famílias agricultoras com Bancos de Sementes Crioulas comunitários. Quem tinha a semente crioula, contribuía com o estoque.
Quem não tinha, podia pegar emprestado e devolver na safra seguinte.
Os produtores passaram a beneficiar o próprio milho para produção de uma farinha saudável.
Nasceu o Flocão da Paixão!
“É uma conquista. É uma nova fonte de renda a essas famílias e um bem social: estamos produzindo alimento que alimenta de verdade”, diz Mateus.
Como todo paraibano, Mateus não passa um dia sem cuscuz. No café, com leite ou manteiga. No almoço, com feijão verde. No jantar, com piaba. Só não não pode faltar é o flocão!
Além da distribuição em quitandas, feiras e mercados da Paraíba, na casa dos próprios produtores o Flocão da Paixão também encontra público.
Eles também levam pra mesa de casa a farinha feita da sua colheita - seja o flocão, xerém, fubá ou mungunzá.
Um símbolo de resistência, dignidade e preservação das raízes da gastronomia sertaneja - e também do milho crioulo!
“O cuscuz tem um papel cultural e social muito forte na Paraíba. É o que livra muitas famílias da fome. E na cozinha combina com tudo…”
“O flocão é um sinal de esperança pra todas as famílias agricultoras.”
Mateus Manassés
e tem mais histórias nesta edição:
- Prazer ao paladar e aos ouvidos: conheça os diferenciais de uma cachaça produzida ao som de música clássica!
- Descubra as vantagens para a saúde e histórias de resistência que tornam o arroz vermelho mais especial.
- Elas não são só picantes: essas novidades saborosas prometem apimentar tradições culinárias da Paraíba!
- Saiba porquê a história da produção de queijo de cabra na Paraíba também é uma história inspiradora de luta!
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Uma cachaça artesanal com DNA, como o proprietário Jurandir Pinteiro de Miranda a define.
Apaixonado por cachaça e colecionador de mais de mil rótulos da bebida, Jurandir escolheu a cidade de Areia, na Paraíba, para produzir a sua própria.
Com o título de Capital Paraibana da Cachaça por ser a primeira em número de estabelecimentos produtores do líquido em todo o Nordeste.
Areia é prova de como conhecemos muito pouco do nosso país.
Se você relaciona praia e calor ao Nordeste, vai ficar surpreso ao saber que Areia foge totalmente dessa descrição.
Areia está localizada no Brejo da Paraíba, a 618 metros de altitude no topo da Serra da Borborema.
O pequeno município de 23 mil habitantes tem temperaturas amenas, entre 20° e 25°C no verão. E é lá, na Suíça brasileira, que uma média de 20 engenhos produzem cachaças de excelente qualidade.
Assim dão continuidade à tradição do plantio de cana na região.
A lavoura canavieira se desenvolveu na Microrregião do Brejo no século 19, época em que os senhores de engenho construíram belos casarões.
O conjunto histórico e urbanístico de Areia foi tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 2006.
E é mais um atrativo do roteiro Caminhos dos Engenhos, do qual a cidade faz parte.
O Engenho Turmalina da Serra é um dos destaques da rota.
Além de oferecer degustação dos rótulos que produz, o engenho oferece atividades em meio aos 60 mil m² de Mata Atlântica preservada da propriedade.
Trilhas, cachoeiras, passeio a cavalo ou em quadriciclo, e visita ao ateliê da ceramista Malu Miranda, esposa de Jurandir, são opções para quem passa pelo local.
Para a degustação, o engenho oferece desde a cachaça branca tradicional até as envelhecidas em barril de carvalho europeu e americano.
Jurandir equipara sua produção ao cozimento de uma galinha caipira em panela de barro no fogão à lenha.
Isso porque suas cachaças descansam por um ano em madeiras nacionais como freijó, jequitibá rosa e umburana, enquanto a maioria dos produtores deixa descansar pelos quatro meses que a legislação exige.
Essa diferença torna a bebida mais complexa, adquirindo os aromas e sabores de cada madeira que teve contato.
Quando comprou o engenho do século 18 desativado, o empresário sabia que seu diferencial estaria no modo de produção.
Na busca constante por qualidade, foi pioneiro na apresentação de cachaças em garrafas francesas. E logo implantou o uso de rolha para o fechamento.
Com isso, o ciclo da Turmalina da Serra passa para a fase na qual a música não vai ser mais ouvida…
O arroz vermelho chegou ao Brasil nessa época. Sua entrada inicial foi pela Bahia, mas o cultivo em maior quantidade aconteceu no estado do Maranhão.
Com a chegada do arroz branco vindo de Portugal, os agricultores foram contra a troca da lavoura que já estavam habituados.
O então governador maranhense proibiu o cultivo das variedades vermelhas. Essa proibição vigorou por 120 anos!
Isso resultou na migração do plantio para outras regiões, incluindo o estado paraibano.
Júlio Matias de Sousa Neto, cooperado fundador da COOPAFAB, tem lembranças do arroz vermelho de quando era pequeno.
Bisneto, neto e filho de agricultor, sempre conviveu de perto com a lida com a terra.
Seu pai tinha um sítio com várzea, e a vizinha Dona Tina plantava o arroz ali para consumo próprio. No entanto, a cidade de Bananeiras, local sede da cooperativa, já foi um grande produtor de arroz, assim como de cana-de-açúcar e café.
Nas décadas de 60 e 70, o município chegava a produzir 100 toneladas de arroz por ano.
Com produção baseada em técnicas tradicionais, a cidade produz uma média de 15 toneladas anuais.
Essa redução drástica é resultado também da escolha dos consumidores. “As pessoas hoje buscam praticidade”, explica Júlio.
Dessa forma, elas acabam deixando de lado o conteúdo três vezes maior de ferro e duas vezes maior de zinco do arroz vermelho. Optam pelo arroz branco simplesmente por ter o cozimento mais rápido.
Mal sabem que no semiárido paraibano o arroz vermelho faz parte de receitas regionais não só pelo sabor, mas pelos benefícios que traz à saúde.
Previne doenças degenerativas, tem ação anti-inflamatória, ajuda a baixar o colesterol, entre outros aspectos positivos.
O arroz da terra, como também é conhecido, é um produto selvagem livre de agrotóxicos que, de acordo com Júlio, se adapta em ambientes com pouca água.
A COOPAFAB nasceu em 2011 para que produtores de alimentos de Bananeiras pudessem abastecer programas federais como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).
Com 40 famílias cooperadas, fornece diversos alimentos para os dois programas, incluindo o arroz vermelho.
A ideia é fazer com que as crianças tenham esse alimento tão significativo culturalmente em suas refeições.
Giveraldo Pereira de Azevedo, atual presidente da cooperativa.
Mas o consumo é incentivado também aos habitantes e turistas que visitam a cidade de Bananeiras.
Repleta de história devido a seus ciclos de lavoura que deram origem a casarios centenários, o município tem muitos atrativos.
Para quem gosta de explorar a gastronomia, visitar a Feira Vó Corina e o Restaurante Casa Vó Corina é uma obrigatoriedade.
Pertencentes à COOPAFAB, são uma homenagem à mãe de Giveraldo, uma pessoa muito querida por toda a comunidade.
Os dois lugares promovem a culinária regional com ingredientes da agricultura familiar…
E existem aqueles que ligam as duas pontas e começam uma nova história.
Foi assim, agarrado em uma memória da sua infância e enxergando a evolução da gastronomia paraibana, que Gabriel Petelinkar Pereira uniu-se à esposa Iara Nóbrega Macêdo.
Juntos, queriam levar mais sabor à vida das pessoas.
Eles criaram a marca de molhos de pimenta Chilli & Pig.
E agora querem apimentar a culinária da Paraíba.
Alguns dos pratos mais típicos do estado, como o rubacão (à direita) e a galinha de capoeira, não são apimentados.
E trouxe palavras elaboradas para nomear cada molho: Dainty, Volcano, Jalapeño e Sriracha.
(e todos eles vão aparecer por aqui até o final dessa história…)
O Original é o único comum, mas isso fica só no nome, pois o toque de canela e noz moscada aliado às pimentas dedo de moça e malagueta fazem dele uma explosão de aromas.
A história do molho Original faz parte da memória afetiva de Gabriel.
Ele passava as férias na casa dos avós em Bauru, interior de São Paulo. Lá, seu avô Lourenço Petelinkar preparava um molho especial para comer com os salgados feitos pela avó.
Gabriel nunca teve acesso à receita do molho, mas tentou chegar o mais próximo possível do sabor que ficou vivo em suas lembranças.
Só que o gosto que ele tenta alcançar é incrementado com uma técnica que dá qualidade superior ao produto final: a fermentação das pimentas por 60 dias.
Gabriel sabe que ingredientes bons são essenciais para um bom resultado e, por isso, valoriza quem lida com a terra. De família de produtores rurais, escolheu a Agronomia como profissão.
E seu trabalho com a agricultura o levou a ter contato com a agricultura familiar.
Atualmente, os fornecedores das pimentas da Chilli & Pig são três famílias das cidades paraibanas de Lagoa Seca, Alagoa Nova e Mamanguape, que Gabriel tem um ótimo relacionamento.
“Eu ofereço as sementes, dou consultoria nas práticas produtivas, e compro toda a produção”, conta.
Em uma pirâmide que tem na base a memória e as histórias que vêm com ela, a Chilli & Pig mantém o sabor no topo, passando pela sustentabilidade da cadeia produtiva de sua matéria-prima.
Lá, Gabriel e Iara dividem os trabalhos com um funcionário, e registram um aumento de vendas durante a pandemia. Eles acreditam que a explicação venha do fato de as pessoas estarem comendo mais em casa.
Com isso, o casal entende que o propósito de levar mais sabor à vida das pessoas por meio de molhos de pimenta modernos está sendo bem aceito.
Com dois sabores feitos com apenas uma pimenta (Volcano e Jalapeño) e três com mix de pimentas, a marca prioriza o sabor de seus produtos e não necessariamente a ardência.
Gabriel explica que o único realmente picante é o Volcano, feito somente com pimenta habanero.
Mas para completar o cardápio, faltava o carro-chefe entre os molhos de pimenta: o Dainty é agridoce e engrossado com purê de maçã!
Por mais que tenha nascido e esteja se desenvolvendo apoiado na população mais jovem da Paraíba, o produto tem potencial para revigorar o consumo de pratos regionais.
E, quem sabe, passar a ser parte da tradição culinária paraibana e de todos os outros estados que alcançar.
Para viver em comunhão com o sol ardente da Caatinga, é preciso mais do que coragem…
Também é preciso mais do que paixão pelo trabalho com a terra.
Todas as histórias que vimos nesta edição têm outro elemento em comum…
A RESILIÊNCIA!
Agricultoras e agricultores lutam, conquistam, se reinventam.
Apesar de políticas públicas pobres ou mal conduzidas (como a distribuição de sementes transgênicas pelo Estado). Apesar da falta de condições e da má distribuição de terra.
Então conheceram um grupo de famílias que lutavam pela reforma agrária…
Tudo mudou.
“Na hora pensei que isso seria uma coisa chamada dignidade. A luta pela terra nos deu isso, dignidade!
Não ver o pedaço de terra como propriedade, mas como um direito. É um símbolo de autonomia pra colocar nossos sonhos em prática.”
José Gedeão Rodrigues dos Santos, produtor rural
Era o Movimento Sem Terra. Os Rodrigues e outras 50 famílias ocuparam uma área abandonada de 1.200 hectares perto de Condado.
Aí foi uma longa jornada de despejo, processo, condenação até a vitória: o assentamento Nova Conquista foi oficializado e hoje colore aquele antigo deserto às margens da BR-230. Mas a mania de ter coragem não largou mais de José.
No pequeno lote que ficou pra família, a produção não é a mais fácil nem a mais tradicional na região. Pelo contrário!
Numa bacia leiteira de leite de vaca, ele investiu na criação de cabras.
Hoje queijo de cabra é sua nova forma de sustento - e resistência.
Na casa da família, todo dia é dia de fazer queijo coalho, condimentado (com orégano ou cumaru) e maturado (meia cura ou curado).
A propaganda boca a boca desses queijos de cabra tem sido a chave do sucesso de José, que faz questão de afirmar:
“Aqui as cabras e os cabritinhos são muito bem tratados”.
Quem confirma é a filha, Ana Júlia.
Apaixonada pelos animais, a menina gosta de participar das atividades e agrega ainda mais carinho ao trabalho. São 70 cabras, mas só 5 contribuem hoje com a produção de leite.
Ainda falta investimento e condições pra expandir e, quem sabe, até construir uma agroindústria moderna.
Mas tudo a seu tempo, José sabe. Desistir é palavra que ele não conhece.
Talvez por isso tenha se cercado dessa planta simbólica que nos acompanhou durante toda essa história: a palma.
Na casa dele, a paisagem da serra é acompanhada por uma plantação de palma, que serve principalmente pra alimentar as cabras. Como retém líquido, o cacto faz com que o animal beba 80% menos água - no período de seca, isso é uma ajuda e tanto.
Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:
Quer saber mais sobre o potencial da agroecologia?
Então esse seminário é para você! De 15 a 17 de junho acontecem simultaneamente o IV Seminário de Agroecologia do IFPE e o III Seminário de Educação do Campo do IFPE. O evento será online e gratuito. As inscrições podem ser feitas até o dia 15 de junho pela internet.
Que tal comprar mel direto do produtor?
Chegou a hora! Com o objetivo de aproximar o produtor do consumidor, a FAASC, a Epagri e o SEBRAE/SC promovem a II Feira virtual do mel de Santa Catarina. O evento ocorre durante todo o mês de junho.
Feira Sabor em Casa
A edição junina da feira acontece nos dias 10, 11 e 12 de junho. Nela você pode comprar produtos nacionais de pequenos produtores. Para participar, basta acessar o site da feira durante os dias do evento clicando no botão abaixo.
Rotina mais saudável
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Ensinando sustentabilidade
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