Esse é o canto de uma benzedeira.
No momento em que reza a música, ela sacode as ervas…
Florianópolis, a Ilha da Magia
Esse nome não foi dado em vão - é que aqui uma cidade se costurou por lendas fantásticas, como a das bruxas. Entre seres mitológicos e místicos contados nas histórias antigas da Ilha, tem um que é de carne e osso.
Existiu mesmo e ainda existe: são as benzedeiras.
Mais do que fantásticas, são figuras históricas.
Quando Florianópolis ainda era Nossa Senhora do Desterro e a população local vivia sem acesso a muita coisa, como medicina, foram as benzedeiras os grandes pilares da sociedade.
Conselheira, Feiticeira, Farmacêutica, Médica, Xamã…
Cada comunidade tinha a sua. E todas reverenciavam sua existência.
"A benzedeira era o centro de todo conhecimento. Muitas vezes também a benzedeira era parteira, ou aquela que preparava o alimento.
Era uma figura de conexão com o divino."
Camila Gonçalves Gomes, benzedeira
A cultura da benzedeira foi decretada Patrimônio Cultural de Florianópolis.
A cerimônia aconteceu em março desse ano, 2024, no aniversário da benzedeira mais velha em atividade, a dona Ondina, de 92 anos - uma verdadeira joia de saberes ancestrais.
Quase toda benzedeira aprende sobre as ervas com a mãe, a avó ou uma religião, geralmente de matriz africana. Com a Ana Cláudia Fraga Costa foi assim, ela teve todas essas inspirações e um dom que não sabe explicar de onde vem.
"Eu comecei a rezar com 8 anos de idade, fazia brincadeira de benzimento, fazia até fila pra benzer as crianças. Quando cheguei na adolescência, eu esqueci a oração.
Anos depois, uma tia trouxe um jovem com cobreiro para eu benzer. Por coincidência, eu tinha sonhado com a oração dias antes. Não tem explicação, não sei o que houve."
Desde esse episódio, Ana nunca mais parou de benzer.
A oração varia conforme a pessoa, o problema e o dia. "É coisa de intuição", ela diz.
É intuição mesmo. Cada benzedeira tem seu próprio ritual.
A Camila, por exemplo, gosta de cantar suas próprias músicas.
Ela tem um trabalho autoral, já gravou um disco com canções e um audiobook com orações usadas nos benzimentos.
"Eu tenho base católica, mas foi a Umbanda que me ensinou a manipular as ervas, a lidar com as questões da natureza.
Fui juntando os saberes ancestrais e também os saberes científicos para criar meu próprio ritual, desvinculado de religião. Foram 20 anos de estudo, um mergulho profundo dentro de mim."
Alecrim, para a saúde mental. Lavanda, para mães e bebês. Arruda, para limpeza energética. Dá para fazer incenso, infusão, banho de ervas…
Algumas delas são as mesmas usadas na culinária tradicional, que é outra forma de cuidado. A benzedeira Ana, por exemplo, adora mexer nas panelas e cozinhar para quem ama. O mesmo alecrim da reza é o que tempera o peixe, levando a magia até para o prato.
"É onde a gente coloca nossa energia também, né?"
O momento agora é de salvaguardar os saberes dessas mulheres.
Registrar seus conhecimentos, rituais e tradições para que jamais sejam esquecidos.
Foi num sopro que benzedeiras como Ana e Camila ouviram a história e se tornaram parte dela.
É também num sopro que podem nascer novas benzedeiras manezinhas.
“Eu sempre quis entender o invisível.
Eu confio no invisível, eu não tenho dúvida que ele existe, mas eu queria entender como se manifesta.”
Fotos: Marcelo Feble
Esta história termina aqui.
O projeto do Guia Cultural Gastronômico de Florianópolis é totalmente patrocinado pela Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nº 3659/91.