No Amapá, por exemplo, a maior parte do que se entende por gastronomia típica surgiu do povo dos quilombos.
Africanos escravizados, fugidos e reorganizados em comunidades quilombolas, ergueram suas próprias torres culturais no território brasileiro, trazendo muito do que viviam no continente africano, mas também muitas novas criações.
A cultura do marabaixo e dos pratos típicos encontrou terreno fértil em locais como o Quilombo Sankofa, um centro cultural originado no Quilombo do Curiaú.
Esse, foi o primeiro quilombo reconhecido no Estado do Amapá.
Ele surgiu da fuga de negros escravizados trazidos pro Brasil para construir um forte na beira do rio Amazonas - o maior forte da América Latina. Muitos deles fugiam entre o Amapá e a Guiana Francesa.
Quem ficou no lado brasileiro da fronteira, integrou comunidades como a do Curiaú como sinal de resistência.
Do sabor da farofa de dendê ao toque do batuque, tudo leva um pouquinho das tradições africanas, fazendo um verdadeiro resgate.
O trabalho do centro cultural mostra que muito do que entendemos por tipicamente brasileiro nasceu do povo negro que foi escravizado.
"A gente tem uma relação mais afetiva com nosso fazer, com nossa culinária ancestral amazônida.”
Até os utensílios da cozinha respeitam as tradições quilombolas, como é o caso das panelas de barro. Parte de um culto a Nanã, o orixá do barro, as panelas integram o ritual que as mulheres faziam para homenagear a entidade.
Hoje, as panelas de barro também fazem parte do resgate do Quilombo Sankofa.
Willy destaca que a tradição não tinha só um propósito religioso, mas também de saúde.
"A panela de barro conserva os nutrientes mais do que qualquer outra panela. Além disso ela é mais sustentável, pois se integra rapidamente à natureza de volta.”
Quer conhecer mais sobre as atrações do Quilombo Sankofa?
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Dá play nesse vídeo para conhecer quem faz essa revista:
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muito obrigado!
e tem mais histórias nesta edição:
- Mergulhe numa viagem no tempo saborosa e refrescante sentindo o gostinho da infância com os chopps da vovó!
- Conheça o sabor do verdadeiro cacau amazônico através da história da primeira fábrica de chocolates do Amapá.
- Uma bebida raiz: costume ancestral nos quilombos do Amapá, a Gengibirra faz sucesso entre turistas que visitam o Estado!
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Gostinho da infância na casa da vovó
E foi assim que Maria das Graças Morais Barbosa iniciou sua pequena produção de chopps no ano de 1995.
Viúva, viu-se com a responsabilidade de criar um filho com apenas um salário mínimo que recebia de pensão. Então, mesmo sofrendo de depressão, começou a fazer chopps e vender em sua própria casa.
Foi a maneira que encontrou para complementar a renda.
Hoje, 27 anos depois, a empresa Chopp da Vovó continua alegrando não só crianças, mas toda a família!
Gabriel Morais Barbosa, filho de Maria das Graças, e sua esposa Larissa Guimarães perceberam que ela não dava mais conta de atender a demanda sozinha.
E como o contato com os clientes fazia a vovó se sentir feliz, não pensaram duas vezes.
Transformaram o Chopp da Vovó em uma marca.
Gabriel e Larissa, que trabalhavam em outras áreas, largaram os empregos para se dedicar integralmente à Chopp da Vovó. Com o tempo foram melhorando a técnica de congelamento, testando novos sabores, lançando serviço de delivery e criando um aplicativo.
Dos não mais de cinco sabores que Maria da Graça oferecia, passaram a ofertar 37.
Entre eles, Coco da Amazônia, feito com leite de coco natural, castanha de caju com doce de cupuaçu caseiro, Açaí com Farinha de Tapioca, Bacuri, Cajuzinho e Marabaixo.
Este último em homenagem à manifestação folclórica afro-amapaense.
Nessa troca de cadeiras onde ele assumiu o papel de responsável, criou-se uma empresa sólida que hoje conta com 18 colaboradores.
“Ficamos muitos felizes em ajudar outras pessoas”.
O filho da vovó virou um empreendedor que encara a empresa com o olhar de pai.
“É a mesma coisa que um filho. Quero que esteja bem, com saúde”.
E é esse o mesmo olhar que o faz enxergar à frente, apostando em um crescimento estratégico no qual consigam manter a produção artesanal.
“O que eu puder fazer pra levar nossa história, nosso produto, vou fazer”, diz Gabriel.
A vovó Maria da Graça, hoje com 74 anos e dificuldade em enxergar, acompanha a trajetória de sucesso da sua empresa e vibra com cada conquista.
Quer saber mais?
sugestão de consumo: Taça da felicidade
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Do Oiapoque para o mundo
É com essa meta que João Dorismar da Paixão trabalha diariamente.
Ele é proprietário da Chocolates Cassiporé, localizada no Oiapoque, cidade do Amapá, no extremo norte do país.
Em 2020 ele abriu a primeira fábrica de chocolates do estado para levar o sabor do cacau amazônico de várzea para o mundo.
Dorismar nasceu em Vila Velha do Cassiporé, distrito do município de Oiapoque, onde vivem cerca de 50 famílias ribeirinhas. Cresceu tomando o chocolate quente feito por sua avó, mãe e tias com o cacau nativo do terreno de casa.
“Era a nossa primeira refeição do dia. As mulheres colhiam o cacau, torravam e faziam barras envoltas em folhas de bananeira ou do próprio cacaueiro.”
“Depois ralavam a barra pra fazer chocolate quente. O restante elas vendiam para pessoas que trabalhavam no garimpo e pescadores”.
João Dorismar da Paixão
Essa memória afetiva é o que move o empresário. “É um resgate da história da Vila”, explica.
Esse mesmo sentimento foi passado para sua esposa, Delcinda de Oliveira da Paixão, e os dois filhos do casal, Fabian e Flávia. Juntos, tocam as operações com mais seis colaboradores.
Os filhos, mesmo seguindo carreira médica, entendem que com a empresa perpetuam a relação familiar com o cacau. Com isso, apostam no sucesso da marca.
E eles têm uma ajudinha da natureza a favor.
No momento, a Chocolates Cassiporé trabalha com barras de chocolate de 50% a 81% de cacau, massa de cacau 100%, alfajores, trufas, licores e brigadeiro com cobertura de nibs de cacau.
Mas a ideia é expandir a linha de produtos.
Além de vender para todo o estado, a empresa possui clientes franceses.
Do outro lado do rio Oiapoque, fica a Guiana Francesa.
Nesse fluxo, surgiu até o convite para abrir uma loja no país vizinho. Mas segundo ele, ainda não é a hora, mesmo a região tendo capacidade para atender demandas maiores.
Das 42 toneladas por ano de capacidade de produção, apenas oito são usadas.
Esse potencial faz Dorismar se sentir privilegiado por liderar um movimento que vai beneficiar toda a comunidade.
Além de cacau da propriedade da família, o cacau da Chocolates Cassiporé é comprado de ribeirinhos a preço de mercado.
“Sei que tem um grande potencial. Me sinto abençoado em levantar essa bandeira e servir de exemplo para outros empreendedores do estado”.
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Gengibirra, a raiz da tradição
A história conta que essa espécie de licor era preparada por alguns povos africanos com o objetivo de aliviar as cordas vocais durante o canto no Marabaixo, manifestação de cortejo afro-religioso.
Esse costume teria se tornado típico do norte brasileiro depois que africanos aqui escravizados se rebelaram e fugiram para formar as comunidades quilombolas, locais que se tornaram símbolo de resistência e riqueza cultural.
Em Macapá, no Quilombo do Curiaú, o primeiro reconhecido no Estado, existia um homem que era referência no marabaixo - e consequentemente, na saudação à gengibirra.
Falar no nome de mestre Julião Ramos é resgatar toda história quilombola da cidade.
Uma história que hoje é levada adiante pelas mãos da bisneta de Julião, Laura Ramos, de 47 anos.
Tudo que aprendeu sobre o preparo da bebida típica, Laura aprendeu com a avó, Tia Biló, uma matriarca importante da comunidade do Curiaú que faleceu em 2021. Filha de Julião, Biló manteve vivo o costume da Gengibirra.
O povo quilombola garante: além de muita história, a gengibirra também tem poderes medicinais, expectorantes, termogênicos e até afrodisíacos! ❤️
“A vida do povo quilombola ainda existe hoje por causa da resistência em preservar as raízes. E a Gengibirra é um símbolo de preservação”, diz Laura Ramos.
Foi na década de 1990 que Laura percebeu a importância de fazer da bebida um negócio - assim poderia manter a tradição viva e gerar renda para a comunidade.
Ela criou a Gengibirra Marabaixeira, uma marca conhecida onde quer que se vá no Estado - e até fora dele. Do lado de lá da fronteira brasileira, na Guiana Francesa, a história de Julião é uma lenda, assim como a gengibirra da bisneta Laura.
Com clientela do lado de cá e de lá, a empresária prepara a bebida com os macetes da receita de família, sempre adaptando para a realidade atual. E, claro, ao gosto do freguês:
A Gengibirra Marabaixeira pode ser saborizada com canela, cravinho, erva doce, abacaxi e até óleos da Amazônia.
Agora, após quase 30 anos de trabalho com a bebida, Laura busca apoio do Sebrae para construir sua agroindústria e modernizar o processo de produção.
Mas o maior sonho de Laura hoje é que outros quilombolas do Amapá também tenham condições de empreender.
Que mais marabaixeiros possam se sustentar através desse conhecimento ancestral e, quem sabe, levar a gengibirra a mercados, quitandas e comércios do Brasil.
Pra ela, isso significa uma nova forma de emancipação e valorização da cultura afro em todo o território nacional.
"As pessoas envolvidas no marabaixo são de baixa renda e não têm apoio dos governos. Esses elementos da manifestação cultural, como a gengibirra, são uma luta importante e podem representar uma renda pro quilombola.”
“Os turistas consomem muito da gengibirra, até mais do que a população amapaense. Ela não pode faltar em uma roda de marabaixo, por exemplo.
No encontro dos tambores é gengibirra na certa!"
Laura Ramos, dona da Gengibirra Marabaixeira
Ficou com vontade de provar a famosa Gengibirra Marabaixeira?
sugestão de consumo: Drink Brisas do Amazonas
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Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:
um chocolate mais gostoso e mais saudável
Nós, do Comida com História, somos fãs dos chocolates bean e tree to bar porque sabemos que são feitos com propósitos sociais, ambientais e nutricionais. Nada melhor do que comer um chocolate sem a dúvida de estar consumindo algo que tenha passado pelas mãos de crianças escravizadas ou, ainda, ter um monte de ingrediente que não faça bem à saúde. Por isso, como apoiamos a cadeia justa do cacau, trazemos a indicação do perfil do Instagram @chocolatrasonline.
Nele, Zélia Frangioni, especialista em chocolate, ensina tudo sobre o assunto.
aprendendo com os povos originários
O açaí tem alcançado cada vez mais países depois que foi considerado um super alimento. Mas bem antes disso, ele já fazia parte da alimentação dos indígenas da Floresta Amazônica. E nada como eles pra falar sobre esse fruto, incluindo seu manejo de mínimo impacto. A obra Uasei, o livro do açaí foi produzida por estudantes e lideranças da aldeia Açaizal e outras aldeias das Terras Indígenas de Oiapoque.
Basta entrar no link, e fazer o download do livro clicando no seu título.
quer saber mais?
Tem filme sobre a gastronomia de povos indígenas do Brasil sendo rodado. Chamado Comida Ancestral, a obra da documentarista Nicole Allgranti tem a maior parte das cenas feitas no estado do Acre. O projeto também vai incluir a culinária judaica e afro-brasileira, já que fala sobre gastronomia étnica.
Vamos ficar de olho no lançamento.
Quem aí já aderiu aos podcasts?
Nós estamos há meses falando em lançar um do Comida com História. Enquanto isso não acontece, vamos nos inspirando em outros. Um deles é o Fome de Entender, de Naomi Mayer, que é mestra em Antropologia, cientista social e cozinheira.