Fotos: Olaba TV, Canva
Texto: Murchana Roychoudhury / Caroline Kiuru
Uma reportagem fotográfica sobre o projeto BOHEMIA, financiado pela Unitaid, e que está a ser implementado em Mopeia, em Moçambique, pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) e pelo Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM).
Um viveiro de mosquitos
No norte de Moçambique, nas margens do majestoso rio Zambeze, situa-se o distrito de Mopeia, uma conglomeração de centenas de bairros ou povoados que se estendem pela paisagem. A cidade mais próxima é Quelimane, onde o explorador Vasco da Gama desembarcou pela primeira vez em 1498.
As duas estações anuais de chuva extrema e a sua localização nas planícies aluviais do rio fazem desta região um viveiro perfeito para mosquitos, entre os quais se incluem o mortífero mosquito Anopheles, conhecido por ser portador de parasitas da malária.
A sombra da malária sobre Moçambique
Moçambique vem há muito tempo a combater a malária, mas a doença continua a ensombrecer as vidas de todas as pessoas no país. É um dos quatro países africanos que contribui para mais de metade de todas as mortes por malária a nível mundial.
Só em 2020, estimaram-se no país mais de 10 milhões de casos de malária e mais de 23 500 mortes causadas por malária. E a parte mais pesada desta realidade é suportada por crianças menores de cinco anos. Embora se tenha avançado muito na luta contra a malária, o progresso tem-se visto estagnado nos últimos anos.
Mais uma ferramenta para o controlo de vetores da malária
O controlo de vetores, uma das estratégias de luta contra a malária mais eficazes, vê-se agora ameaçada pela estendida resistência aos inseticidas e pela transmissão residual. Foi neste contexto de progresso lento e de emergência de novas ameaças que nasceu o projeto BOHEMIA.
E se as pessoas e os animais domésticos pudessem matar os mosquitos Anopheles com o seu próprio sangue? Esta foi a pergunta que conduziu à formação do consórcio BOHEMIA, que conta com o financiamento da Unitaid, e que visa reduzir a transmissão da malária através da administração de ivermectina, um fármaco antiparasitário bem tolerado, em humanos e animais domésticos.
A chegada dos entomologistas
«Quando era criança, adorava colecionar insetos e sempre desejei profundamente assistir à transformação de uma lagarta em borboleta ou saber como é que os pirilampos produzem luz.» — Caroline Kiuru
O mundo dos insetos sempre fascinou Caroline Kiuru, que dirige as atividades de entomologia de BOHEMIA em Mopeia.
«No meu primeiro dia em Mopeia, enquanto conduzia por entre os arrozais que povoam a paisagem zambeziana, lembrei-me vividamente daquela vez em que apanhei malária, no Quénia. Tinha apenas 10 anos e estava de visita a uma região caracterizada pelos seus campos de arroz inundados.»
Apesar de Kiuru ter tido sorte em Mopeia e ainda não ter sofrido de malária, já viu colegas da sua equipa de 30 elementos apanharem a doença a cada quinze dias.
Durante a estação das chuvas
«Acho espantoso conseguirmos recolher mais de 100 vetores de malária numa única noite dentro das casas em Mopeia durante a estação das chuvas.»
Recolher mosquitos do crepúsculo até ao amanhecer
O objetivo das atividades entomológicas do projeto BOHEMIA é realizar uma análise das espécies dominantes do vetor da malária em Mopeia e observar o comportamento das mesmas após a administração massiva de ivermectina nas populações locais de humanos e animais domésticos.
A maioria dos mosquitos alimenta-se entre o crepúsculo e o amanhecer. Portanto, Kiuru e a sua equipa estão muitas vezes a recolher mosquitos quando a maioria das pessoas em Mopeia está a dormir. Habitualmente, de noite, tentam apanhar mosquitos à procura de hospedeiros para se alimentarem. Da parte da manhã, recolhem mosquitos em repouso que já se alimentaram.
No caso dos mosquitos à procura de hospedeiros, ao fim do dia, a equipa monta armadilhas de luz para insetos em casa das pessoas. São colocadas nas proximidades das zonas onde se dorme, que estão protegidas com mosquiteiros. A pessoa que está a dormir atrai os mosquitos até à armadilha, mas está protegida pelo mosquiteiro. «Ao nascer o dia, retiramos as armadilhas com os mosquitos que apanhámos e transferimo-los para o insetário, para podermos proceder à identificação e às respetivas análises», explica Kiuru.
As armadilhas de rede dupla com engodo humano também são usadas para apanhar mosquitos. Para isso, a pessoa senta-se dentro da armadilha durante toda a noite e recolhe e separa os mosquitos, de hora a hora. «Isto ajuda-nos a estudarmos as horas a que picam os mosquitos, já que a hora a que picam varia conforme a espécie. Além disso, visto colocarmos as armadilhas dentro e fora das casas, também conseguimos estudar os sítios em que os mosquitos picam», afirma Kiuru.
Durante o dia, podemos encontrar a equipa a recolher mosquitos aquáticos em fase larval em pântanos, lagos e arrozais da região. Os mosquitos são então transferidos para o insetário em caixas refrigeradas que conservam uma temperatura baixa e húmida indicada para os mosquitos.
Entusiasmo e ideias improvisadas
Ao falar sobre o insetário, Kiuru admite que «ao princípio não tínhamos grande coisa. O insetário foi feito com os recursos mínimos, muitas ideias práticas improvisadas, e uma equipa de entomologistas e trabalhadores de campo muito cheia de entusiasmo».
Dentro do insetário
O insetário conta com duas salas destinadas à criação, uma de larvas e outra de mosquitos adultos. A sala das larvas é mantida a uma temperatura de 30 ºC e a dos mosquitos adultos a 28 ºC, com 60-80% de humidade.
Os copos de papel com desenhos de unicórnios, que se podem ver acima na foto, contêm mosquitos adultos que são alimentados com 10% de açúcar, à espera de serem usados em testes.
Alguns dos testes envolvem transferir mosquitos adultos para tubos de monitorização da resistência aos inseticidas, onde são expostos a essas substâncias.
As vantagens de ter um insetário em Mopeia são imensas
«Permitiu-nos gerar dados sobre o perfil de resistência aos inseticidas dos vetores da malária no distrito. Estes dados ser-nos-ão muito úteis para o programa de controlo da malária enquanto decidimos que tipo de ferramenta de controlo de vetores utilizar», explica Kiuru.
Presas para testes
Uma vista de olhos à variedade de atividades realizadas pela equipa de entomologia.
«Estou muito grata de trabalhar ao lado de uma equipa dinâmica, capaz de improvisar, de se ajustar e adaptar aos novos desafios dia após dias», expressa Kiuru.
Entretanto, a presença da equipa de entomologia colocou pequenas sementes nas mentes das crianças do povoado. Também querem vestir a bata de laboratório e ter um papel na luta contra a malária.
Credits:
Olaba TV & Canva