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Nova vida com a cana-de-açúcar Reportagem de capa da edição 24 de Comida com História

Uma estrada de chão batido delineada por canaviais.

Para um casal recifense, é esse o caminho que separa a vida anterior da atual.

Em meio à beleza da Zona da Mata Norte pernambucana, John Jayron Fernandes da Silva e Maria Tereza de Miranda Lyra iniciaram uma nova jornada:

Viver próximos à natureza ao mesmo tempo em que se dedicam à produção de três produtos típicos do Nordeste brasileiro.

Cachaça de alambique, mel de engenho e rapadura.

Tudo começou nos anos 2000, quando compraram terras de indenização trabalhista da Usina Aliança, no município de mesmo nome. Ali, foram aos poucos descobrindo o que o futuro tinha planejado para eles.

Passaram por gado, mel de abelhas, mas a história do local ligada à cana-de-açúcar se impôs naturalmente.

O povoado de Aliança nasceu em torno da usina de açúcar, e durante muitos anos essa foi a principal fonte de emprego e arrecadação de imposto da região. Com sua falência, parte das terras foram destinadas para indenizar os funcionários.

Quando John e Tereza adquiriram a propriedade, a cana já não existia mais, e o mato e o capim bravo tinham tomado conta de tudo.

Como agrônomo e conhecedor do potencial do massapé, solo argiloso fértil característico do leste nordestino, John passou a plantar sabiazeiras, que fazem muito bem o papel de cercas vivas para o gado, ipês, e dezenas de espécies frutíferas como jaqueiras, pitangueiras, cajueiros, entre outras.

Pássaros começaram a aparecer, e animais como capivaras, tamanduás e tatus voltaram a habitar a fazenda.

Mas somente 15 anos depois, em 2015, que os dois se mudaram de vez para a então Fazenda Capibaribe Mirim, mesmo nome do rio que passa nas proximidades.

As lembranças do pai fazendo cachaça e a relação com a cana-de-açúcar que vem desde o tataravô de John, acabaram por definir o que o destino já tinha guardado para o casal.

Fazer da cana sua matéria-prima principal. Assim surgiu o Engenho Capibarim.

“Ele sempre falava em fazer cachaça”, conta Tereza.

Mas a situação financeira naquele momento permitia somente investir na produção de mel de engenho e rapadura. Com a empresa montada e o engenho ativo, venderam o primeiro mel em uma feira de rua de Recife.

O volume foi aumentando por conta da valorização da gastronomia tradicional e a parceria com chefs do estado, e passaram também a fazer licores usando as frutas da fazenda. Mas foi a pandemia da Covid-19 que trouxe a oportunidade de finalmente construir o alambique e tornar realidade o desejo de John.

“Conseguimos nos organizar e fazer tudo com calma. Hoje a nossa maior preocupação é manter a qualidade com os processos”, explica John.

A Cachaça Capibarim é feita exclusivamente com a cana plantada pelo casal na propriedade e já é ofertada em três versões, tradicional e armazenada em barris de madeiras freijó e umburana.

Com produção sustentável, a proposta é não deixar resíduos.

“O olho da cana alimenta o gado, o bagaço serve como combustível para fazer o mel, a rapadura e a cachaça, e o excedente é jogado no curral para ser pisoteado pelo gado e virar recompostagem para voltar para a terra”, conta o agrônomo e novo “cachacier”.

Já para Tereza, a nova empreitada reacende a última área de trabalho que atuou antes de se aposentar na Caixa Econômica Federal, a cultural.

“Fiquei muito marcada por essa questão de identidade, e fazer cachaça é resgatar um produto nacional e regional pernambucano.”

A cachaça é patrimônio de Pernambuco, primeiro local do Brasil a produzir cachaça industrializada, ainda em 1756.

Quem sabe foi a união do prezar pela qualidade com a valorização da identidade cultural da bebida que fez a Cachaça Capibarim armazenada em barril de umburana ser premiada com o primeiro lugar na categoria de cachaça de madeira nacional na Expocachaça 2022.

Um prêmio que trouxe um gostinho de quero mais ao casal, que tem se aventurado com receptivos no turismo rural.

Uma forma de apresentar aos visitantes uma releitura de ofícios tradicionais da cultura nordestina ligados à cana-de-açúcar…

… e também uma maneira de expor os produtos feitos com tanto carinho por eles.

Quer saber mais?

Sugestão de consumo: Cartola Regional
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A revista Comida com História está em festa!

Estamos completando 2 anos!

São 24 edições trazendo o melhor da produção de comida artesanal de cada região do país. Nós corremos o Brasil atrás de histórias de deixar o coração quentinho e o paladar ainda mais aguçado.

E para esta edição especial de aniversário temos duas novidades: uma delas é o próprio assunto das matérias, todas focadas no açúcar! Afinal, aniversário sem um docinho não é aniversário, né?

A outra é um presente que preparamos pra você: nosso primeiro podcast! Nesse episódio comemorativo, nossa equipe conversa sobre o impacto que a revista tem na vida de cada um de nós três.

Nossa equipe: Leyla Spada, Amanda Santo e Gustavo Schwabe

Nos faz companhia nesse papo?

participe do Comida com História!

O Comida com História faz parte de uma cadeia que valoriza quem carrega nossas tradições gastronômicas, pratica a sustentabilidade e traz nutrição pra nossa mesa.

Dá play nesse vídeo para conhecer quem faz essa revista:

Para apoiar esse trabalho, você pode contribuir com valores a partir de R$ 5,00.

muito obrigado!

e tem mais histórias nesta edição:

  • O doce da infância: feito de açúcar, água e limão, o alfenim é marca registrada da cidade de Agrestina.
  • Do tacho para o paladar: a receita tradicional faz de Afrânio a cidade ideal para provar um bom doce de leite.
  • O bolo imperador: saiba a história do Bolo Souza Leão, e por que ele é considerado o bolo ícone de Pernambuco.
  • Uma história de sobrevivência: conheça as raízes açucaradas da gastronomia pernambucana.

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Um doce chamado saudade

Fotos: Adriano Monteiro

Existe uma cidade do agreste pernambucano onde um doce é capaz de fazer qualquer adulto virar criança de novo.

É como uma poção mágica, de efeito quase instantâneo.

Toda vez que alguém passa por um vendedor de alfenim, a memória afetiva transporta a pessoa pra infância. Há anos os docinhos brancos com formas de animais e flores fazem parte da paisagem da cidade.

Estão sempre ali, esperando pelo olhar das crianças - e dos adultos também!

a cidade é Agrestina, a 150 km de Recife.

Nesse cantinho foi onde o doce feito apenas de açúcar, água e limão sempre representou muito mais do que uma iguaria.

Alfenim é sinônimo de comunidade e comemoração.

De origem árabe, a criação foi levada ao arquipélago dos Açores, em Portugal. Com a colonização e o início da cultura do açúcar no Brasil, a receita chegou até o agreste pernambucano. As famílias locais passaram a fazer de um jeitinho próprio.

Até que o Alfenim se tornou marca registrada da cidade de Agrestina!

Era década de 1930 quando uma menina muito curiosa decidiu aprender a tradição.

Moradora da comunidade rural Sítio Cachoeira, Maria Belarmina via seu irmão mais velho produzir os famosos doces vendidos nas quermesses.

Ela aprendeu a mexer no açúcar, a trabalhar a massa e dar o ponto - segredinhos que ainda hoje, aos 95 anos, a doceira sabe como ninguém.

Chamada por todos na cidade de Dona Menininha, ela já não produz mais os docinhos por causa de um problema de visão.

Agora são os filhos, Cazuza e Nenê, que mantêm a marca da produtora mais antiga do Brasil.

Cazuza, Dona Menininha e Nenê

Dona Menininha é a história viva do alfenim e da própria cidade. Já recebeu inúmeras homenagens, como o Título de Notório Saber da Universidade de Pernambuco. Também foi declarada Patrimônio Vivo do Estado.

"Me sinto feliz de ter esse reconhecimento todinho, pra mim é uma riqueza."

"Doce tipicamente agrestinense, com sabor de saudade" é o slogan usado em Agrestina para o doce alfenim.

Não poderia ter palavra melhor: saudade.

Para Dona Menininha, a maior saudade é do forno a lenha onde antigamente cozinhava e reunia os filhos pequenos para ajudar.

Ou quando colocava os doces na tábua e ia vender na procissão de Nossa Senhora do Desterro - ainda hoje a principal festa da cidade, e onde mais se vende alfenim.

Ela lembra como era concorrido: era preciso chegar cedo na missa, ou o doce se esgotava logo.

"Antes da missa as pessoas me diziam: faça um pacote, guarde logo que quando terminar a missa eu pego. Não queriam ficar sem."

Hoje só 3 pessoas fazem o alfenim em Agrestina: Cazuza, Nenê e Marrom, doceiro que tem parentesco com a família de Dona Menininha.

Só essas três pessoas são capazes de abastecer todas as festas e as procissões da cidade.

O doce também é vendido na Feira de Caruaru, Feira Livre de Agrestina e na Fenearte.

Uma cultura alimentar mantida também graças ao trabalho da secretaria municipal de Cultura e Turismo de Agrestina.

Pra Cazuza, filho de Dona Menininha, a doçura também significa saudade.

Mesmo que o alfenim tenha se tornado sua carreira e fonte de renda, o doce jamais perdeu sua magia.

"É sempre um reencontro com o passado, com a minha infância, quando minha mãe fazia.”

Saiba mais: harmonize alfenim com o autêntico café pernambucano
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A terra do doce de leite

Uma memória de infância:

Subir no caminhão do tio rumo a Petrolina com os doces de leite produzidos pela própria mãe.

Esta era uma das tarefas da infância de José Raimundo de Macedo, o Dedé, na época com 12 anos.

Ele ia junto com outros vendedores de doce para a maior cidade do sertão pernambucano. Um trajeto de 120 quilômetros para vender o excedente da produção caseira das famílias rurais de Afrânio, município conhecido por sua pequena bacia leiteira.

Mas a fama de Afrânio vem mesmo da junção de dois ingredientes simples: leite e açúcar.

São eles que marcam a história do município, que há quase um século carrega uma técnica de processamento que os transforma em um doce de leite de cor clara, cuja cultura do consumo está enraizada na sua população.

Produzido em tachos de forma totalmente artesanal por pequenos produtores, é ainda hoje um complemento de renda da agricultura familiar.

“A vida na roça hoje tá boa se comparada com antigamente”. É o que diz Dedé, produtor do Doce de Leite São José, cujo modo de preparo aprendeu desde menino com seus pais.

“Hoje as famílias têm seu próprio carro”, relata. O que as deixa independentes para comercializar os produtos que fabricam.

Petrolina continua sendo um dos locais onde Dedé vende seu famoso doce de leite.

Sendo um dos poucos a ter a licença para vender seu produto em todo o estado, o produtor explica que a legislação criada para legalizar a produção de doce de leite pode ter melhorado as condições higiênico-sanitárias, mas reduziu muito a capacidade de produção.

“Antes eu fazia até 80 barras por dia. Hoje, não faço mais do que 20”.

Além da mudança no tacho, que do ferro passou para o inox, o que aumentou o tempo de cozimento, a barreira sanitária a cada nova entrada na área de produção deixou todo o processo mais lento.

Por mais que ele acredite que seja uma profissão desvalorizada e os jovens não tenham interesse em dar continuidade, sabe que o doce de leite de Afrânio nunca vai deixar de ser feito.

“Nunca vai desaparecer. Nada caseiro pode acabar”. Ele fala isso com a propriedade de quem conhece a causa.

Sua filha Maria Helena, de 17 anos, ajuda na produção somente quando pode. Mesmo sabendo fazer a receita do pai, estuda e quer seguir outra carreira.

A trajetória do doce de leite de Afrânio teve início pelas mãos de mulheres de um povoado distante 10 quilômetros do município. Foi em Caboclo que Maria Raimunda Cavalcanti, Maria Sinobilina da Conceição e Josefa Maria da Conceição iniciaram a produção do doce.

Com o tempo, ele virou uma tradição, e hoje o doce de leite é Patrimônio Histórico-Cultural e Imaterial de Afrânio.

Retratos dos pioneiros

O modo de fazer das pioneiras foi sendo passado de geração em geração, mas cada família foi adaptando a receita, colocando a quantidade de leite e açúcar que lhe parecia mais correta.

Essa característica, típica de produtos artesanais, é o que deixa o doce de leite de Afrânio ainda mais interessante e único. E sua qualidade reconhecida em toda a região.

Isso abre espaço para os produtores se reinventarem.

Dedé, por exemplo, cria combinações de doce de leite com outros sabores, como amendoim, brigadeiro e tamarindo.

Além dele, pesquisadores estudam diversificar o produto, expandindo o mercado para opções sem lactose, diet e light.

Quem sabe seja o futuro do doce de leite de Afrânio se abrindo para se tornar mais atraente para os jovens do município.

Tradição também é oportunidade de inovação.

sugestão de consumo: Rabanada com Doce de Leite de Afrânio
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O Bolo Imperador de Pernambuco

Fotos: Arquimedes Santos

Subir as ladeiras de Olinda e chegar ao Alto da Sé…
…é programa obrigatório para turistas que visitam o destino.

A vista do mar e de Recife, capital de Pernambuco, é mesmo inebriante.

Mas é ainda mais inebriante o sabor que uma cafeteria lá em cima oferece.

Nada menos que o sabor do primeiro doce da história pernambucana, o Bolo Souza Leão. O motivo açucarado que leva turistas e locais a percorrerem o trajeto sem pestanejar.

E vale cada garfada!

Isso quem garante é o doceiro Arnandes Fernandes Vieira, responsável pela produção do “melhor bolo Souza Leão pernambucano”. Nascido em São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife, Arnandes conheceu o bolo quando frequentava a escola na capital.

“Todos os dias depois da aula eu ia à Casa da Cultura, onde umas senhorinhas faziam o Souza Leão. Eu amava já naquela época.”

A vida o levou para outros caminhos. Estudou Administração, trabalhou por muitos anos em uma multinacional, mas foi ao perder o emprego e trabalhar de Uber que seu destino mudou.

Uma corrida para Olinda trouxe a oportunidade de abrir seu próprio negócio no centro histórico da cidade.

Foi então estudar Gastronomia ao mesmo tempo que iniciava a busca pela receita original da sua grande paixão, o Bolo Souza Leão, que já fazia parte de sua memória afetiva.

A história do bolo remete aos tempos dos engenhos de açúcar, que tiveram papel fundamental no desenvolvimento de Pernambuco. A família Souza Leão era dona de mais de 10 engenhos no estado, e cada uma delas tinha uma receita própria do bolo.

Os ingredientes eram sempre os mesmos, mas as quantidades mudavam. Enquanto uma colocava 12 ovos, outra colocava 8.

E o mesmo acontecia com a quantidade de açúcar, manteiga, leite de coco e massa de mandioca.

Dizem que a primeira a fazer o bolo foi Dona Rita de Cássia Souza Leão Bezerra da Silva Cavalcanti, casada com o coronel Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti, senhor do Engenho Bartolomeu.

Naquele período, as ideias republicanas já estavam amadurecendo entre a elite brasileira.

A afirmação da pátria veio também da cozinha em forma da substituição de ingredientes vindos de Portugal por ingredientes brasileiros.

Ao invés do trigo, massa de mandioca. Ao invés da manteiga francesa que vinha nos navios, as de engenho, que tinham o terroir do leite da terra.

Por isso, muitos pesquisadores consideram o Bolo Souza Leão o grito de independência da cultura pernambucana - e também brasileira.

No entanto, Arnandes tem uma teoria:
de que não foi Dona Rita de Cássia que fez o primeiro Souza Leão da história…

Ele acredita que foi uma mulher negra a grande responsável pela criação da iguaria.

Isso porque a cozinha da casa-grande era movimentada por negras escravizadas, que tinham a função de cozinhar para as famílias mais abastadas.

E assim foi, quando em 1859, Dom Pedro II foi convidado pela família Souza Leão para o engenho no município de Moreno. Na vontade de oferecer uma iguaria portuguesa, alguns ingredientes foram substituídos, e o bolo nasceu!

Bolos com sobrenome não são incomuns em Pernambuco.

Por mais que o bolo de rolo seja considerado o embaixador do estado, o Bolo Souza Leão é também patrimônio imaterial pernambucano.

O doceiro Arnandes, à frente da Cafeteria Alto da Sé, considera o bolo o grande “imperador” de Pernambuco, tendo em vista sua história e modo de preparo, que não tem como não ser artesanal pelo seu grau de detalhe.

Ele já sabia que fazia o “melhor bolo Souza Leão de Pernambuco”, pois sempre prioriza ingredientes frescos e orgânicos da melhor qualidade.

Mas a confirmação dessa fama de melhor de todos veio quando Arnandes descobriu que a cafeteria tinha cinco estrelas em um site internacional que avalia pontos turísticos.

“Depois soube que críticos vieram até aqui e avaliaram o meu bolo como o melhor de toda Pernambuco”, relata Arnandes.

Esse reconhecimento levou o talento e a pesquisa do doceiro para além da cafeteria. O Souza Leão é hoje o mais pedido entre os doces para festas de sua empresa. Inclusive, a própria família Souza Leão encomenda o bolo para suas celebrações de São João, Natal e Ano Novo.

“Uma vez membros da família vieram aqui e trouxeram uma senhora bem idosa. Ela provou o bolo, se emocionou, me abraçou, e disse que estava igualzinho ao que ela comida antigamente.”

Essa reação seguida de elogio da família que deu nome ao bolo faz com que Arnandes tenha a certeza que está resgatando a história do Souza Leão da melhor maneira possível.

sugestão de consumo: Cappuccino com Canela

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As Raízes do açúcar

Houve um tempo em que praticamente só havia cana-de-açúcar.

No nordeste do brasil, especialmente em Pernambuco, os senhores da terra só queriam saber de produzir uma matéria-prima tão valiosa, o ouro branco. E nem era pra vender ao consumo nacional, sequer local!

Era para exportação: daqui, o açúcar saía rumo a outros países.

Foi aí que uma crise aconteceu: como faltava plantar outros alimentos básicos, faltou comida até pra senhor de engenho - que dirá pros próprios trabalhadores dos canaviais, pessoas escravizadas trazidas da África.

Aos poucos, além de a cana ter dado lugar a outros cultivos, as cozinhas também passaram a explorar todo potencial daquele produto tão doce. Era preciso consumí-lo!

Assim começou a cultura do açúcar em Pernambuco.

O pesquisador em gastronomia e história Frederico de Oliveira Toscano conta qual foi uma das primeiras funções dadas ao açúcar nas cozinhas dos engenhos:

“Era preciso dar um destino a esse produto, então uma das primeiras coisas que se descobriu foi a conserva, o açúcar faz com que o alimento retenha menos água e dure por mais tempo.“

Só depois vieram as receitas que hoje conhecemos: as cozinheiras pegaram as frutas da terra e passaram a fazer doce. Colocavam metade açúcar, metade fruta, cozinhavam tudo junto e criavam uma iguaria!

Assim começou a tradição doceira do nordeste.

Sem esquecer que essa história esteve sempre construída em cima de trabalho escravo e exploração.

Mas foi através de muitos desses doces que mulheres pretas conseguiram compraram sua liberdade: elas levavam um tabuleiro de doces pra vender na cidade e podiam ficar com uma porcentagem das vendas.

Segundo o pesquisador, ainda hoje a venda ambulante de doces em Pernambuco está concentrada nas mãos de pessoas em dificuldade financeira, muitas vezes mulheres mães pretas.

“Hoje vejo essa ambulante como uma continuação dessa realidade.”

“Pesquisas mostram: a venda de comida é a primeira coisa que a mulher pobre brasileira vai empreender quando ela precisa de dinheiro”, diz Frederico.

Ter ciência desse legado escravocrata é fundamental para consumir a tradição com mais consciência.

É saber problematizar quando uma grande marca se apropria de receitas populares. É saber que o doce de família vendido direto pelo produtor artesanal tem muito mais sabor e história que grandes redes de industrializados.

“As pessoas transformam tudo em marca, pessoas que tiram a tapioca, o doce da rua e levam pro restaurante.”

Frederico diz que é preciso voltar nossa atenção cada vez mais ao pequeno. No Brasil 2022, com todos os desafios e dificuldades sociais a se resolver, muita gente sobrevive exclusivamente de seus conhecimentos ancestrais, daquilo que cozinha em seus tachos e fornos.

E quem tem autonomia pra decidir o que consome precisa mais do que nunca prestar atenção de quem vai comprar.

“A gente precisa comprar localmente, artesanalmente. Tem muita gente boa trabalhando com produtos do Nordeste, se é do interior vai oferecer um produto melhor.”

Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:

DICAS DOCES

Com certeza tem ainda espaço pra mais açúcar na sua dieta histórica. Por isso, você vai adorar assistir aos quatro episódios sobre a Cultura do Açúcar feitos pela Fundação Joaquim Nabuco.

Dá uma olhada nesse primeiro episódio:

LEITURA Obrigatória

“Sem açúcar não se compreende o homem do Nordeste”.

O trecho está na obra Assucar, de Gilberto Freyre, a primeira análise sociológica no Brasil feita a partir da alimentação. Com mais de 80 anos de existência, o livro é leitura obrigatória para os amantes de comida com história.

PAIS INSPIRADORES

Dia 14 deste mês é comemorado o Dia dos Pais. Pra celebrar a data, que tal relembrar algumas reportagens que saíram nas edições anteriores da revista Comida com História?

São histórias que trazem um pai como inspiração ou parceiro de trabalho.

Clique no nome do estado se quiser ir para a reportagem:

1. Começamos pelo estado do Pará, onde pai e filho trabalham na produção de cervejas que trazem os sabores da Floresta Amazônica.

2. Passamos pelo Mato Grosso do Sul, com a quinta geração de uma família de pecuaristas que se preocupa com o meio ambiente.

3. Visitamos o Tocantins, onde uma produtora que se inspirou no pai hoje trabalha com polpa de frutas do Cerrado.

4. No Acre, filho dá continuidade à história de empresa criada pelo pai que tem a castanha do Brasil como matéria-prima principal.

5. E, pra finalizar, o estado do Espírito Santo apresenta uma filha que dá vida a um sonho do pai produzindo um embutido de origem italiana.

turismo sensorial

Já que essa edição foi todinha sobre o Pernambuco, que tal explorar os sabores do estado presencialmente? Descobrimos uma empresa de turismo que leva os visitantes a ter experiências sensoriais pela gastronomia do estado!

Mais sobre o açúcar

E, se ainda quiser compreender mais sobre a influência do açúcar na gastronomia pernambucana, Josué Francisco da Silva Júnior, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, escreveu um texto para o Comida com História com o conhecimento de quem é nascido no estado e aprecia as delícias do açúcar diariamente.

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