Era década de 30 quando uma menina se encantava ao assistir o fogo crepitar no forno a lenha do sítio da família, em Aricazinho, interior do Mato Grosso.
A menina cresceu. De muda para a cidade de Cuiabá, veio o casamento, os filhos e as preocupações com o futuro. O salário do marido operário não daria conta dos sonhos que Eulália tinha pro estudo das crianças.
Então, resgatou a receita da tia e pediu que o marido construísse um forno no quintal. Ali passou a fazer os bolinhos.
Resolveu vender na porta de casa a quem quisesse chegar. Pelo cheiro que escapava da janela, não foi difícil aparecer gente. Pelo contrário, se tornou tão fácil que a fama do bolo correu a cidade.
“O pessoal tava passando lá na frente, sentia o cheirinho e já ia entrando”, conta dona Eulália, hoje uma senhora de 88 anos.
A matriarca já não tem mais energia pra produzir, mas tudo que construiu ainda está em pé: entre filhos e netos, a família toda se envolve no trabalho de levar adiante a marca dos bolos de arroz de dona Eulália.
A produção no forno a lenha nunca para, e o atendimento continua sendo feito como sempre, na porta de casa. Hoje a marca carrega o nome Dona Eulália e Família.
Servido com café, leite ou chocolate quente, os bolinhos podem ser degustados ali mesmo no quintal.
"Hoje já tem muitas outras pessoas que fazem o bolinho em Cuiabá, mas dizem que nenhum sai igual ao meu. Não sei, é o que dizem.”
Nesses anos todos, sua fama já correu o Brasil.
Os bolos da família já foram tema de reportagem de TV, e já receberam diversas homenagens e premiações. Uma delas foi o troféu de uma famosa revista gastronômica, que dona Eulália guarda com o maior orgulho.
Arroz, mandioca, coco, manteiga, fermento e canela: eis a base dos famosos bolinhos.
Diz a produtora que não leva mais nenhum ingrediente secreto, a não ser esse: “O segredo é o amor que eu colocava nos bolinhos. Agora meus filhos e netos também colocam."
Quer saber mais?
aprenda a receita: bolo de arroz da dona eulália
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e tem mais histórias nesta edição:
- Um toque feminino: conheça o chocolate Bean to Bar que está desenvolvendo a cadeia produtiva do Mato Grosso.
- A castanha no Cerrado: conheça o grupo de mulheres que viu na colheita de cumbaru a chance de melhorar de vida.
- Cultura local engarrafada: conheça o Canjinjim, bebida de origem africana que celebra São Benedito.
- Arte do barro: de potes culinários a imagens decorativas, a cerâmica regional ganha vida nas mãos de artesãos.
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chocolate por mãos femininas
Foi dessa forma que Thaise Germano aceitou que os 12 anos como funcionária pública tinham chegado ao fim.
Uma nova vida estava por nascer.
Casada e mãe de dois filhos, Thaise passou por um parto extremamente difícil na segunda gestação. Ao ver a morte de perto, decidiu que era hora de explorar outros horizontes.
Investiu em padaria, fez faculdade de Gastronomia e curso de confeitaria, mas foi somente quando teve contato com agricultores da agricultura familiar, que entendeu a riqueza desconhecida de seu estado.
“As pessoas aqui não conhecem a biodiversidade do Mato Grosso”.
E não é pouca. O estado está imerso em três biomas brasileiros: Cerrado, Pantanal e Amazônia.
Mas foi em uma feira em Rondônia em 2017 que o cacau apareceu no seu caminho.
Descobriu que chocolates expostos por uma marca eram feitos com cacau mato-grossense.
Aprendeu que o cacau produzido no Mato Grosso era basicamente commodity.
E que as 210 famílias do estado que fazem parte da cadeia produtiva vendem quase toda a produção para fora.
Com seu lado feminino mais aflorado devido à complicação do parto, lançou em 2019 a Chocolate Biomas, primeira empresa de chocolate do Mato Grosso.
Mas a mais nova chocolate maker não estava entrando nesse mercado com foco no financeiro.
“O cacau trouxe a clareza da importância do feminino”, explica Thaise.
Então ela se viu no comando de uma missão: desenvolver a cadeia produtiva do cacau no seu estado.
Mas não foi fácil. “Quando cheguei para falar com os produtores, me olharam como se eu fosse tirar o que eles já tinham. Tivemos que levar alguns deles para Ilhéus, na Bahia, pra entenderem como poderiam se beneficiar com a produção de cacau de qualidade”.
A tentativa deu certo, e parte deles se mostrou aberta ao novo desafio.
Com apoio do governo estadual, que investiu em mudas de cacau, capacitação e unidades de beneficiamento, ela já vê o projeto com outros olhos.
“Estou muito esperançosa”.
“A natureza me ensinou que não tem como acelerar o processo, a gente não comanda nada”.
Por isso espera as primeiras amêndoas de cacau de qualidade do Mato Grosso serem finalizadas para expandir a marca.
Ela acredita que ainda neste ano consiga fazer um pequeno lote com a primeira barra de chocolate 100% mato-grossense.
A Chocolate Biomas conta hoje com uma linha com duas barras de chocolate, 70% e 55% cacau, nibs e chá de cacau, escalda pés com sal e cascas (que preservam um pouco da manteiga de cacau) e mix de cappuccino.
Assim que tiver o cacau desejado, Thaise quer criar produtos que contenham ingredientes dos três biomas do estado, por isso a marca leva esse nome.
A natureza é mesmo uma eterna fonte de aprendizado e inspiração.
sugestão de consumo: shake de cappuccino biomas
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Cumbaru, o realizador de sonhos
É esse sonhar de olhos abertos que faz um grupo de mulheres do Mato Grosso se destacar na comunidade onde vive.
A 150Km de Cuiabá, no município de Poconé, fica a Comunidade Bandeira. 47 famílias de comunidades tradicionais vivem de agricultura de subsistência e serviços prestados às fazendas pecuárias da região.
“Nunca ninguém olhou por nós”, desabafa Marlene, umas das moradoras.
Mãe de três filhos e avó de três netos, Marlene Benedita de Almeida Oliveira, 49 anos, tem um sonho: criar melhores condições de trabalho para trazer o jovem de volta à comunidade.
O sonho dela é compartilhado com mais 13 mulheres que viram na castanha de cumbaru um futuro. Um futuro que chega lentamente, e vem melhorando a vida delas.
“A partir do cumbaru começamos a nos unir mais. Ajudamos a complementar a renda de casa”, conta Marlene.
Essa união foi oficializada há 4 anos, quando montaram a Cooperativa das Mulheres Extrativistas Brilho da Selva, por sugestão do professor de um curso de extrativismo que fizeram juntas.
“Antes do curso a gente achava que era só a castanha (que era possível aproveitar)”, relata Marlene.
Ao descobrir que o cumbaru, fruto nativo do Cerrado brasileiro, podia ser aproveitado por inteiro, o interesse em se organizar ficou maior.
Enquanto o fruto, também conhecido como baru, é explorado há mais de 20 anos no estado de Goiás, seu uso é novidade no Mato Grosso.
“O cumbaru representa pra nós o resgate da nossa comunidade. Se não tiver renda, ela acaba”.
Mas elas ainda deixam de atender uma demanda crescente pelo cumbaru. Isso porque não possuem equipamentos adequados para o processamento do fruto.
Segundo Marlene, atual presidente da Brilho da Selva, 70% do fruto dos cumbarus colhidos vão fora.
Um desperdício, pelo alto teor nutritivo do cumbaru, e pelos diversos usos, como na indústria de cosméticos, que utiliza seu óleo. Um problema que lutam juntas para solucionar. Uma luta que vai além.
A criação da cooperativa tem beneficiado toda a comunidade.
Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, conseguiram arrecadar cestas básicas e vale gás para distribuir entre os mais necessitados.
Mesmo no limite do que conseguem fazer sozinhas, elas acreditam na força da cooperação.
E apostam que programas federais voltados a comunidades quilombolas e tradicionais, vão enxergá-las.
sugestão de consumo: Rosbife de Mignon com pesto de Coentro e Castanha de baru
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A simbologia do Canjinjim
Fotos: Fred Gustavos.
Imagens de acervo cedidas pelo Sesc Mato Grosso.
É no balanço de cantis e no rodar de saias que a história da bebida mais tradicional do Mato Grosso permanece viva.
Representante da cultura africana e do culto a São Benedito: o Canjinjim!
A bebida marca a trajetória do pequeno município de Vila Bela da Santíssima Trindade. Primeira capital do estado, ficou esquecida durante quase 100 anos após Cuiabá ganhar o posto de principal cidade.
Mas as 35 famílias de ex-escravos que lá permaneceram, cultivaram o hábito da produção e consumo do Canjinjim.
Atualmente, o licor é ingrediente indispensável na Festa do Congo, famosa festividade religiosa mato-grossense em que um cortejo repleto de dança acontece.
Eudes Frazão de Almeida, produtor de Canjinjim, já desempenhou o papel de soldado do cortejo quando era jovem. Foi lá que aprendeu a fazer a bebida, que também era produzida por seu pai.
Hoje, aos 75 anos, relata que a festa é um momento de muita alegria para a cidade, quando moradores e turistas acompanham as danças dos soldados ao cortejar rei, rainha, juiz e juíza entre suas casas e a Igreja Matriz.
“São 24 soldados que dançam, fazendo a evolução como se fosse um teatro”, explica Eudes.
O Canjinjim é uma bebida energética feita à base de cachaça, açúcar, canela, gengibre, mel, cravo, erva doce e a raiz afrodisíaca nó de cachorro.
Além da Dança do Congo, realizada exclusivamente pelos soldados do cortejo, todos homens, acontece a Dança do Chorado. Interpretada por mulheres com vestidos rodados adornados, a dança teve origem no Brasil com as negras escravizadas.
Como o nome diz, foi a forma que as escravas encontraram para “chorar” por seus maridos e filhos que sofriam abusos nas senzalas.
Elas dançavam com garrafas de Canjinjim na cabeça e ofereciam o licor a seus donos durante a apresentação. Eles, já um pouco alterados pelo consumo do álcool, acatavam os pedidos delas.
A chegada dos negros à Vila Bela aconteceu quando os bandeirantes descobriram ouro na região.
O então rei de Portugal mandou uma equipe para criar a cidade e, com ela, levou escravos para fazer a retirada do minério. A construção de quartel, igreja matriz, órgãos públicos com casarões no estilo português marcou a fundação da cidade em 1752.
Situada no extremo oeste do Brasil, na fronteira com a Bolívia, era um local de difícil acesso, cujo escoamento de ouro podia ser feito apenas a partir do Rio Guaporé até chegar ao Rio Amazonas e, de lá, seguia viagem para a Europa.
Com a mudança da capital para Cuiabá em 1835, a cidade perdeu importância e só foi redescoberta pelo marechal Cândido Rondon por volta de 1910.
Como famílias de ex-escravos fincaram raízes em Vila Bela e mantiveram a religião católica dos colonizadores, o bispo da cidade de Cáceres fazia uma peregrinação a cavalo uma vez ao ano para atender essa população.
Aproveitando a ida do bispo e sua permanência por uma semana, realizavam casamentos, batizados e festejavam todos os santos durante esse período.
“Aí surgiu a Festança de Vila Bela”, conta Eudes. Essa festa que une religião, dança e o Canjinjim.
A bebida tem sido a renda de artesãos que, assim como Eudes, entendem que ela é muito mais do que um licor festivo.
Ela é o símbolo da resistência. A marca de uma civilização de ex-escravos que manteve Vila Bela da Santíssima Trindade no mapa…
…e que hoje leva a cultura africana para o restante do Brasil.
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sugestão de consumo: Biscoito de ramos
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a arte que nasce do barro
Fotos: Fred Gustavos. Imagens de acervo cedidas pelo Coletivo Ceramistas do Mato.
Parece até simples ver o passo a passo da fantástica transformação do barro em cerâmica. Mas nas entrelinhas há muita técnica e conhecimento ancestral.
A antiga aldeia hoje é a comunidade de São Gonçalo Beira Rio, onde se originou a cidade de Cuiabá. O barro foi moldando gerações e gerações de famílias em torno da cerâmica, que virou fonte de renda e uma grande atração local.
Usada para fabricar copos e cumbucas para a culinária, o material se transformou também em símbolo de beleza e arte.
"Nosso trabalho é diferente de outras comunidades. É uma herança deixada por esses indígenas da etnia Bororo que habitaram essa comunidade", explica Cleide Rodrigues, uma das principais ceramistas de São Gonçalo.
Cleide tinha só 4 aninhos quando viu pela primeira vez a cerâmica nas mãos das mulheres de sua família.
Mãe, tia e avó trabalhavam nos moldes que se tornariam mais tarde também sua própria fonte de renda.
Hoje com 55 anos, Cleide se orgulha de ter criado as filhas produzindo sua famosa cerâmica artesanal.
A representação da ave em cerâmica é bem popular no Brasil, não é uma ideia exclusiva da região. A diferença é que Cleide criou uma galinha especial.
E a inspiração veio do quintal de casa!
Com design autoral, as galinhas são pintadas com pigmento natural retirado do próprio barro.
A peça fez tanto sucesso que foi comprada em grande escala por uma famosa rede de loja, com quem Cleide teve contrato por muitos anos.
O marido e as filhas também se envolvem na produção, embora boa parte dos moldes passe só pelas mãos da artesã.
Pra ela, mexer com a cerâmica significa manter a história viva e ajudar a moldar os caminhos da cerâmica para o futuro.
O marido e as filhas também se envolvem na produção, embora boa parte dos moldes passe só pelas mãos da artesã.
Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:
que tal conhecer a rota do chá?
Quem gosta de programar viagens com antecedência, vai adorar saber que já estão abertas as incrições para a Rota do Chá, que acontece entre 3 e 6 de novembro em Registro, São Paulo. Na sua 6ª edição, o evento promove uma imersão na produção de chás da capital brasileira do chá, visitando os produtores Amaya Chás, Sítio Shimada e Yamamaru. Pra quem não sabe, o Brasil foi o primeiro produtor de chá do Ocidente.
Você não vai perder essa oportunidade, não é mesmo?
Maio é o mês do sabor! sabe por quê?
É que está de volta o evento Brasil Sabor, realizado pela Abrasel. A 16ª edição vai atingir 22 estados (incluindo o Distrito Federal), mais de 40 cidades e nada menos que 847 restaurantes. De 12 a 29 de maio, esses estabelecimentos vão oferecer receitas com ingredientes típicos brasileiros. Confira se sua cidade está na lista e programe-se para degustar um pouquinho das delícias do nosso país.
E tem mais um evento de dar água na boca neste mês!
Pela primeira vez acontece o Festival Gastronômico Delícias do Vale do Café. O festival será realizado em dois finais de semana – de 12 a 15 e de 19 a 22 de maio – e reunirá os 15 municípios que compõem o Vale do Café. Com uma cultura gastronômica repleta de tradição e história, os visitantes vão poder conhecer a gastronomia do Vale em seus cafés, restaurantes e fazendas históricas.
E também terão a chance de degustar produtos de produtores locais.
gastronomia premiada
A riqueza gastronômica brasileira, fruto de sua biodiversidade e mistura de culturas, rendeu ao Brasil quatro chancelas de Cidades Criativas pela Gastronomia, concedidas pela UNESCO. Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Paraty (RJ), completam a lista das cidades ao redor do mundo cuja gastronomia foi reconhecida como um fator importante para o desenvolvimento sustentável.
Assista aos vídeos do Ministério do Turismo sobre as cidades criativas brasileiras da área de gastronomia.
Pra quem quer aprender
Você também gosta de ouvir o que especialistas têm a dizer sobre alimentação e cadeia alimentar? Então confira esses quatro vídeos de um minuto cada do canal de YouTube Urban Farmcy.